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A Justiça do Trabalho não deu certo?

 | Hugo Harada/Gazeta do Povo
(Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)

Os sucessivos e orquestrados ataques ao Judiciário Trabalhista e aos seus membros, nesse crítico momento político, econômico e social pelo qual o país vem passando, nos impele à reflexão acerca do papel da Justiça do Trabalho e seus objetivos no futuro.

Em visão obtusa e distorcida da realidade, alguns representantes da classe política têm elevado bravatas contra a atuação dos membros do Judiciário Trabalhista e suas decisões “tendenciosas” em desfavor do empresariado, destacando, como premissa inadequada e perigosa, os elevados gastos para o regular funcionamento da estrutura do Judiciário laboral nacional, frente à parcial arrecadação dos recursos necessários para sua autossuficiência. Mas tal assertiva não se sustenta a partir de um olhar mais acurado sobre a questão.

O Judiciário Trabalhista é um dos mais operosos segmentos da Justiça nacional, tendo recebido, só em 2015, segundo o Justiça em Números, 4.058.477 casos novos; e solucionado, neste mesmo ano, 4.202.528 processos. Considerada a bipolaridade característica das relações processuais (dado que sempre haverá, no mínimo, duas pessoas interessadas no desfecho de cada processo), foram mais de 8 milhões de pessoas atendidas diretamente, sem contar o efeito que uma demanda judicial resolvida a contento surte em relação a toda a comunidade.

O Judiciário Trabalhista não foi estruturado para atender apenas ao trabalhador, mas à relação capital-trabalho

No mesmo anuário constata-se que o número de novos casos judicializados nos ramos estadual, federal, Eleitoral e Militar do Judiciário sofreu retração, enquanto somente no Judiciário Trabalhista houve uma constatada elevação. Ora, em tempos de demissão em massa de trabalhadores, efeito direto das crises econômica e social experimentadas no país, espera-se, por óbvio, um número crescente de demandas ajuizadas por trabalhadores que deixaram de gozar de direitos previstos em lei.

O viés meramente econômico apontado equivocadamente como justificativa para a contestação da Justiça do Trabalho não pode ser pedra fundamental para medir a eficiência de qualquer órgão público – cujo objetivo, por óbvio, não é “dar lucro”. Necessário observar os resultados práticos produzidos na vida daqueles que recorrem à proteção do Estado e se socorrem da tutela jurisdicional para tanto, especialmente quando do outro lado da demanda há uma força desproporcionalmente superior, como a ostentada pelo capital.

Com todo respeito aos que pensam diferente, há um grande desvio de perspectiva levado a efeito pelos detratores da Justiça do Trabalho. Quem considera o valor de um dos ramos do Poder Judiciário apenas pelo custo financeiro que ele pode representar incorre no pecado utilitarista que já foi defendido por Jeremy Bentham, para quem aprisionar mendigos para livrar as demais pessoas do constrangimento de vê-los em praça pública seria algo perfeitamente aceitável, porque no fim das contas haveria mais gente satisfeita por não se deparar com famintos maltrapilhos em ambientes públicos do que descontentes pela injusta prisão a eles imposta.

Os que pretendem aferir a “utilidade” da Justiça do Trabalho pelo prisma do custo financeiro por ela representado desconsideram o valor maior por ela tutelado, que é a dignidade do próprio trabalhador. Assim como não é possível monetizar a prestação jurisdicional que regula a guarda de uma criança ou decreta a prisão de um malfeitor – porque o que importa é o bem-estar do vulnerável e a tranquilidade da sociedade –, também o deferimento do aviso prévio descumprido ou da indenização pela sequela acidentária não pode ser mensurado pelo custo do serviço judiciário prestado, porque também aqui o que se visa é a tutela do hipossuficiente – a sua dignidade, em última análise.

A legislação trabalhista pátria determina, em vários preceitos constitucionais pétreos, um tratamento não uniforme entre o trabalhador que demanda e o detentor do poder econômico, pois o legislador há muito percebeu a desigualdade entre as partes numa demanda trabalhista, incluindo normas para o restabelecimento do equilíbrio jurídico entre elas. Caso assim não ocorresse, fatalmente não se faria justiça. E isso não é privilégio somente da legislação trabalhista. As normas que regulam a relação de consumo também possuem vertentes protetivas ao consumidor hipossuficiente. O Estatuto da Criança e do Adolescente também atua de forma a proteger os mais vulneráveis, o mesmo ocorrendo com outros diplomas legais que regulam relações jurídicas marcadas pela disparidade de forças.

Já o Judiciário Trabalhista tem demonstrado sua eficácia e eficiência quando objetivamente é o que mais realiza justiça social, devolvendo dignidade aos trabalhadores, provendo-os de recursos alimentares e punindo os descumpridores da lei de forma célere e adequada, sem se afastar dos desígnios previstos na Carta Cidadã de 1988.

Ademais, como assim também entenderam os parlamentares constituintes de 1988, a própria existência da Justiça do Trabalho se faz imprescindível para a pacificação de conflitos relacionados ao trabalho e aplicação da legislação nacional vigente, sem a qual teríamos um retrocesso histórico de degradação do trabalho e exploração humana desmedida.

A Justiça do Trabalho, como órgão de aplicação da legislação laboral, não pode ser tratada como vilã em um processo de retomada econômica do país, uma vez que representa verdadeira proteção de direitos conquistados pelos trabalhadores em décadas de luta contra abusos patronais.

Devemos, por evidente, ter uma Justiça do Trabalho forte, moderna e apta aos novos desafios que se impõem na atualidade, com vistas a fortalecer a democracia e a solidificar a confiança dos jurisdicionados nesse ramo especial do Judiciário; que certamente não se furta em se modernizar, em evoluir, mas não pode aceitar os injustos ataques de que vem sendo vítima.

Ao contrário do que pensam alguns, o Judiciário Trabalhista não foi estruturado para atender apenas ao trabalhador, mas à relação capital-trabalho. Sua principal função não é tutelar o trabalhador, propriamente, mas civilizar o confronto natural entre os que trabalham e os que precisam do trabalho de outrem, o que, ao contrário do que proclamam os desavisados, deu e dará sempre muito certo.

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