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“A Justiça deve ser piedosa, mas a piedade precisa ser justa”. Com esse argumento, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu a liminar na medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Médica Brasileira, suspendendo a eficácia da Lei Federal 13.269/16, que autorizava a fabricação, porte e distribuição gratuita de fosfoetanolamina, independentemente de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esse voto vencedor, foi acompanhado pelos ministros, Marco Aurélio, Teori Zavascki, Carmem Lúcia, Roberto Barroso e Ricardo Levandowski.

O texto da lei realmente estava truncado e seus propósitos foram totalmente desvirtuados. O que deveria ter sido votado nas duas casas legislativas e sancionado pela Presidência da República, seria um regime extraordinário – dentro, evidentemente, dos padrões éticos preconizados pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), para os protocolos de pesquisa de eficiência, eficácia e efeitos colaterais da “pílula do câncer” em seres humanos.

Conheci dezenas de pacientes que usaram fosfoetanolamina sintética e, em todos, ouvi o mesmo depoimento: sua qualidade de vida melhorou

Deveriam ter aprovado que os testes seriam feitos em larga escala com tantos portadores de câncer quantos fossem voluntários ao tratamento, bem como que houvesse financiamento da União para sintetização da droga a fim de atender a todos os pacientes que se voluntariassem aos testes clínicos, sem o abandono dos tratamentos tradicionais.

“A dor não espera”, afirmou em seu voto divergente, a ministra Rosa Weber, que foi acompanhada pelos ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes e Dias Tófolli. A vida não espera, preclara ministra. O tempo não espera. Quem tem câncer ou tem um familial atingido por essa doença maligna, lança mão de todos os recursos possíveis e imagináveis, na busca da cura, seja ela química, radioativa, espiritual ou pajelancial. Por que negar ao paciente, sobretudo aos terminais, o livre acesso a uma possibilidade de cura ou, na menos favorável das hipóteses, à melhoria de sua qualidade de vida em seus minguados dias de existência futura?

Conheci dezenas de pacientes que fizeram uso da fosfoetanolamina sintética e, em todos, ouvi o mesmo depoimento: sua qualidade de vida melhorou, deixaram de sentir as dores lancinantes, mesmo tendo abandonado o uso da morfina. Por que impedir que esses pacientes, que tão pouca expectativa de vida ainda têm, tenham seus poucos momentos que lhes restam com um pouco mais de qualidade e com menos de dor, mesmo que não haja a cura definitiva?

A lei foi mal redigida. Mas se tiver a mesma boa vontade que teve ao aprová-la, nossos parlamentares poderiam aprovar uma lei melhor em menos de 60 dias.

Me parece, todavia, que algo de bom poderia ser aproveitado da lei. Nisso, concordo com a minoria vencida da Suprema Corte. A distribuição gratuita e o uso poderiam, sim, ser autorizados aos pacientes terminais, àqueles a quem nenhuma outra esperança lhes resta.

A ninguém, nem mesmo às mais altas autoridades judiciárias do País, é outorgado o direito de subtrair de um ser humano a esperança. Muitas vezes – e nesse caso dos pacientes terminais, sempre – a esperança é a única coisa que ainda lhes resta.

Magistrados, legisladores, autoridades, enfim, não sejam ladrões de esperança. Não há nenhuma piedade, ministro Fux, em furtar a esperança.

Raul Canal é advogado e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética.
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