• Carregando...
 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Os contratos de concessão de pedágio entraram na mira da Operação Lava Jato. Para que este tema não seja polarizado de modo a fornecer conclusões talvez óbvias e meramente políticas (ou politizadas), urge analisá-lo sob o prisma das dúvidas mais imediatas, a permitir ao cidadão “comum” uma interpretação ao menos sensível de toda a problemática.

Por que esses contratos entraram na mira da Lava Jato? Obviamente não podemos oferecer a simples (ou talvez óbvia) resposta dada pelo Ministério Público Federal, de que o motivo para que esses contratos fossem objeto de minuciosa análise foi o fato de terem encontrado indícios de irregularidade em investigações paralelas. A resposta técnica ao questionamento proposto deve conduzir a uma análise da alta complexidade da composição econômico-financeira desses ajustes, do longo prazo de sua execução, da ausência de uma clara definição dos riscos (os previsíveis e outras situações imprevisíveis durante a execução do contrato) ou de um controle em regra repressivo (não preventivo) e extremamente burocrático e formalista, que por vezes deixa de conceber situações concretas e passa a se apegar a textos legais que não repercutem o ocorrido no caso concreto. Todos estes poderiam ser o “estopim” de uma investigação ministerial, mas, ainda que não o sejam, pois estas investigações são recheadas de subjetivismos, o que deve realmente preocupar os analistas é quem ou como se conduzirão as conclusões sobre as possíveis irregularidades a justificar o enfrentamento legal lastreado na lógica da anticorrupção, já que a alta complexidade de tais contratos reduz, inclusive, o número de expertos no próprio mercado aptos a este tipo de análise.

Ainda que a rescisão seja unilateral, é preciso que o poder público instaure o devido processo administrativo

Não está autorizado o controle externo a conclusões do tipo “há superfaturamento pela comparação dos contratos com outros de mesma natureza, ou em razão do valor da tarifa cobrada, ou, ainda, pela ausência de duplicação das rodovias durante todo o período de vigência contratual”, ou outras circunstâncias de fato. Ora, a análise deve ser muito mais apurada; deve-se, por exemplo, levar em consideração a quantidade de situações (previsíveis ou imprevisíveis) que demandaram alterações do contrato ao longo do período e que refletiram em seu equilíbrio; ou, ainda, o número de solicitações de revisão ou reajustes negados pelo poder concedente no período, e a possível concorrência do poder concedente para algumas distorções encontradas, dentre outras. Contratos dessa natureza não são comuns e, portanto, não podem ser objeto de controles que não considerem sua alta complexidade ou que ofereçam conclusões precipitadas sobre as condições de sua execução.

Outro relevante questionamento pode ser: o que deve ser feito a partir de agora? Os eventuais desvios e ilegalidades nos contratos ainda estão em processo de investigação, ou seja, para que não haja qualquer prejuízo ao interesse público, o mais correto seria aguardar a conclusão e a confirmação dos indícios de fato, para que alguma medida pudesse ser tomada em relação aos contratos.

Leia também: O futuro do pedágio (editorial de 25 de fevereiro de 2018)

Leia também: Pedágios: é hora de olhar para o futuro (artigo de Edson Campagnolo, publicado em 4 de março de 2018)

Haveria margem para uma rescisão unilateral se a corrupção for comprovada? A rescisão unilateral poderia ocorrer, tanto na forma de encampação (por razões de interesse público, antes das confirmações de inadimplemento contratual pela concessionária e com o pagamento de indenização pelos investimentos por ela não amortizados), como na forma de caducidade (extinção da concessão por inadimplemento do concessionário, o que não geraria – em tese – o dever de indenizar ao Estado); mas uma ressalva é muito importante: ainda que a rescisão seja unilateral, é preciso que o poder público instaure – em ambos os casos – o devido processo administrativo, respeitando seus requisitos, para que a extinção da concessão possa ser declarada de forma legítima. O cancelamento dos contratos sem as precauções mínimas pelo poder concedente pode importar ilegalidade e improbidade por parte do Estado.

E, diante de um possível ato de corrupção, a extinção da concessão seria o caminho correto? O caminho correto, em minha opinião, deve ser sempre o de menor ônus ao interesse público e ao usuário, ou seja: diante de uma possível ilegalidade, deve se seguir a abertura de processo interno para rescisão, em que se garanta ampla defesa e contraditório ao concessionário a justificar o motivo justo e a forma legal mais adequada para se por fim à avença.

E, dentro da discussão mais ampla: renovar ou esperar vencer o prazo para licitar de novo? Aqui é uma questão de oportunidade e conveniência. A diferença, basicamente, é de que na prorrogação haveria o mesmo modelo jurídico adotado quando da outorga; já no caso de nova licitação, seria possível adotar modelos mais modernos de outorga e de satisfação do interesse público, com uma matriz de riscos mais adequada a satisfazer as incertezas de longo prazo, por exemplo.

Com estes elementos em mente, distanciamo-nos de algumas conclusões óbvias e precipitadas, reconduzindo a discussão a uma ordem necessária.

Rodrigo Pironti, advogado e parecerista, é pós-doutor em Direito Público pela Universidad Complutense de Madri.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]