Em dezembro passado foi sancionada a Lei 13.756/2018, que criou a modalidade de loteria denominada “apostas de quota fixa”, a qual “consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico”. Tais loterias serão autorizadas ou concedidas pelo Ministério da Economia, que será responsável por regulamentar o tema no prazo de até dois anos, prorrogáveis por outros dois.
No Brasil, as apostas em eventos esportivos por meio de sites viviam em um limbo jurídico. Por um lado, a Lei de Contravenções Penais, editada em 1941, trata como contravenção penal “estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele” (artigo 50), ali incluídas “as apostas sobre qualquer competição esportiva” (§ 3.º, c). Por outro lado, a proibição não alcançava as empresas sediadas no exterior, já que o artigo 5.º do Código Penal estabelece que a lei brasileira só se aplica aos atos praticados no território nacional.
Na prática, portanto, não havia impedimentos para que sites de apostas esportivas hospedados em países nos quais tais atividades são lícitas operassem e ofertassem serviços a internautas localizados no Brasil. Apostadores brasileiros conseguiam acessar normalmente os sites estrangeiros, apostar em competições realizadas em solo nacional ou internacional e obter resultados financeiros sem qualquer fiscalização ou controle. Assim, mesmo antes da legalização, cerca de 500 sites de apostas esportivas já ofereciam, a partir do exterior, serviços em português e possibilidade de realização de apostas sobre eventos esportivos ocorridos no Brasil, ou envolvendo clubes e atletas brasileiros.
As estimativas sobre o mercado brasileiro de apostas esportivas dão conta de que este mercado movimenta entre R$ 4 bilhões e R$ 9 bilhões por ano
Com a regulamentação da atividade, as empresas de apostas estrangeiras poderão obter licenças para operar diretamente no país, o que, além de possibilitar o incremento de arrecadação de recursos pelo governo federal com as outorgas de licenças, autorizações e a tributação das atividades e resultados, permitirá às entidades desportivas brasileiras acesso a novas possibilidades para a obtenção de recursos financeiros.
As estimativas sobre o mercado brasileiro de apostas esportivas dão conta de que este mercado movimenta entre R$ 4 bilhões e R$ 9 bilhões por ano. Imaginando-se uma tributação linear de faturamento da ordem de 15% sobre o faturamento das empresas e de 27,5% sobre os resultados das apostas, pode-se imaginar um nada desprezível incremento de arrecadação federal variando entre cerca de R$ 1 bilhão e R$ 3,8 bilhões ao ano, sem prejuízo dos valores obtidos com a outorga onerosa de licenças e autorizações para funcionamento dessas empresas no país, e sem falar do próprio aumento de apostadores a partir da legalização.
Mas a matemática não é tão simples. Sem a adequada política tributária sobre a atividade de apostas esportivas, não haverá estímulos para a constituição de novas empresas em solo brasileiro com este propósito – que concorrem com empresas sediadas em países com políticas fiscais mais favoráveis –, tampouco incentivos para que as empresas que atuam a partir do exterior optem por operar também no Brasil.
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Em outra frente, a legalização é igualmente benéfica às entidades esportivas. Em função da anterior proibição às apostas esportivas, havia restrições à publicidade e patrocínios esportivos por parte dessas empresas. Tais restrições decorriam do disposto no artigo 21 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que prevê que anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades ilegais ou que pareçam favorecer, enaltecer ou estimular tais atividades. Por isso, para evitar a imposição de sanções pelo Conar, a publicidade desses sites, assim como patrocínios esportivos por eles promovidos, vinham disfarçando as suas atividades como “palpites esportivos”. Com a autorização das apostas por quota fixa, abre-se para o mercado publicitário (e, sobretudo, para o mercado de patrocínios esportivos) um novo rol de possibilidades que em outros países têm se demonstrado uma importante fonte de recursos para o esporte.
Permite-se também que as entidades esportivas brasileiras se beneficiem de uma parcela dos recursos decorrentes das atividades de apostas por meio do licenciamento e autorização do uso de suas marcas, ou até mesmo do fornecimento de dados e estatísticas oficiais de suas atividades, à semelhança do que ligas e associações estrangeiras já vêm fazendo ao longo dos últimos anos.
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Por fim, outro desafio relevante está no combate à manipulação de resultados. A questão é complexa, pois é necessário criar mecanismos de detecção e prevenção de manipulação, sendo recomendável a centralização de dados para monitoramento dos padrões de apostas, garantindo não só a integridade do esporte, mas também a transparência e segurança para os apostadores. Recomendável, também, que se estabeleça a obrigação das empresas atuantes no mercado de notificar as autoridades sobre a ocorrência de apostas incomuns tanto em valores quanto em eventos. Além disso, é aconselhável que jogadores, treinadores e dirigentes sejam proibidos de apostar em resultados envolvendo os seus respectivos esportes. Por fim, a legislação criminal deve ser atualizada para incluir no rol das atividades ilícitas aquelas relacionadas à manipulação dos resultados esportivos.
Como se vê, a legalização das apostas esportivas é inegavelmente positiva, pois passa a regular um mercado que, bem ou mal, já envolvia centenas de milhares de pessoas e movimentava milhões de reais. Mas sem a adequada estrutura fiscal e, principalmente, sem políticas eficazes de combate à manipulação de resultados, os efeitos buscados jamais serão alcançados.