No último dia 23 de novembro foi sancionada a Lei Mariana Ferrer (Lei 14.245/21), que proibiu ataques à integridade moral e psicológica de vítimas em processos judiciais – antes era permitido? A lei veio em decorrência do caso Mariana Ferrer, uma influenciadora digital que teria sido vítima de estupro em uma festa em Santa Catarina após ser dopada; no curso do julgamento, ela sofreu ataques à sua dignidade e integridade psicológica, com a exposição de sua imagem e menções à vida pessoal.
A legislação que agora entra em vigor no ordenamento jurídico brasileiro altera o Código Penal e o Código de Processo Penal, aumentando a pena do crime de coação (previsto no artigo 344 do Código Penal), prevendo aumento de um terço até a metade se o processo envolver crime contra a dignidade sexual.
Isto posto, a Lei 12.425/21 positiva uma espécie de “dever de urbanidade processual” ao incluir o artigo 400-A ao Código de Processo Penal, segundo o qual as partes deverão zelar pela dignidade e integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa.
Contudo, apesar de a nova lei denotar uma resposta a um caso que ganhou grande repercussão midiática e despertou indignação em diversos setores da sociedade, nota-se também determinadas incongruências com o sistema processual e constitucional existente no Brasil. Os problemas encontrados à primeira vista na Lei Mariana Ferrer são de diversos níveis, sobressaltando-se, dentre eles, a notável expressão do Direito Penal de Emergência – fenômeno ocorrido no Direito Penal em que o Poder Legislativo, atendendo a clamores sociais, legisla em prol de setores da sociedade com a criação de espécies legislativas pouco ou nada eficazes para a solução do problema.
Isto porque a opção do legislador foi criar uma causa de aumento da pena no crime de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) quando cometido contra vítima de crime contra a dignidade sexual. O defeito legislativo apontado está na alternativa óbvia – e talvez a mais ineficaz possível – de toda política de combate ao crime: aumento das penas. E aqui os argumentos contrários à adoção desta postura legislativa são os mais diversos e convincentes, mas, contudo, iremos nos ater ao mais notável: o sujeito que tem um caráter desviado o suficiente para coagir uma vítima de crime sexual no curso de um processo em prol de interesse próprio ou alheio não está preocupado com a pena criminal atribuída a esta conduta, tampouco vai consultar o Código Penal para verificar qual é a reprimenda que pode sofrer.
Noutro âmbito, o “dever de urbanidade processual” criado em relação à vítima é algo já existente, há muito, no ordenamento jurídico brasileiro, nos respectivos códigos de ética e leis orgânicas das diversas carreiras jurídicas – advogados, juízes, promotores de Justiça etc. Isto é: todo integrante do Poder Judiciário e operador do direito assume o compromisso de respeitar um conjunto de normas éticas e de disciplina no seu atuar, sob pena de responsabilidade administrativa – dentre elas a mais grave: exoneração ou proibição de exercer a profissão –, sendo certo que em todas estas consolidações éticas de cada carreira está o dever de urbanidade em relação às demais partes, dentro e fora de uma relação processual.
Pode-se concluir que a vedação à defesa de fazer qualquer manifestação a elementos ou fatos “alheios” ao objeto de apuração poderá causar diversos embaraços.
Outrossim, a Lei 14.245/21 criou a proibição de que as partes se manifestem sobre “circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos”. De início, pode-se notar um presságio de percalços no caminho imperial em razão deste dispositivo, incluído nos artigos 400-A e 474-A do Código de Processo Penal, dado que o princípio da ampla defesa – previsto na Constituição Federal e no próprio Código de Processo Penal – garante que a defesa seja ampla, podendo-se utilizar de qualquer expediente legal e não ilícito em busca da defesa técnica e material do acusado.
Neste contexto, pode-se concluir que a vedação à defesa de fazer qualquer manifestação a elementos ou fatos “alheios” ao objeto de apuração poderá causar diversos embaraços – e até nulidades processuais –, haja vista que a própria definição de “alheios” começa a se problematizar ante a sua subjetividade. Isto é: quais são os elementos ou circunstâncias alheias? Seriam somente aquelas que o juiz diz que são?
Em conclusão, denota-se, da técnica legislativa adotada para a criação da lei em apreço, que, a uma, o aumento de pena incrementado é pouco ou nada eficaz para o combate ao crime objetivado; além disto, vedar determinadas manifestações – defensivas ou não – que não sejam ilícitas e não afrontem a urbanidade necessária a uma tratativa processual poderá causar muito mais embaraços do que soluções. Inclusive, esta é só mais uma característica do Direito Penal de Emergência.
Leonardo Tajaribe Jr. é advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal e delegado de Prerrogativas da OAB/RJ.
Fim do ano legislativo dispara corrida por votação de urgências na Câmara
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Frases da Semana: “Alexandre de Moraes é um grande parceiro”
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais