Após ter uma medida provisória (MP) que dificultava a remoção de
conteúdo na internet ser suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e
devolvida pela presidência do Senado no mesmo dia, o governo federal enviou ao
parlamento um projeto de lei que altera o Marco Civil da Internet “de forma a
explicitar os direitos e as garantias dos usuários de redes sociais e prever
regras relacionadas à moderação de conteúdo pelos respectivos provedores”. O
governo argumenta que o PL observa os princípios da liberdade de expressão, de
comunicação e manifestação de pensamento, e busca garantir a segurança jurídica
de direitos fundamentais previstos na Constituição.
O projeto toca em um ponto delicado, tendo em vista que as relações entre os usuários e as Big Techs são voluntárias. As redes sociais são empresas privadas e, dentro dos limites legais, não devem ser obrigadas a manter em suas plataformas aquilo que porventura contrarie as regras das comunidades. O internauta que se sentir prejudicado na moderação, no entanto, tem o seu direito de procurar reparação na Justiça assegurado.
Medidas que interfiram nessa relação privada não devem ferir modelos de negócio ao adentrar nos termos de uso das plataformas e a própria liberdade de expressão. A regulação estatal não pode ser intrusiva, pois o governo (aqui entendido em seus braços executivo, legislativo e judicial) não tem competência para valorar discursos como positivos e negativos e, a partir disso, fazer curadoria de conteúdo.
A busca por esse equilíbrio entre liberdade de expressão e livre iniciativa, e os controles políticos, empresariais e judiciais sobre linhas discursivas poderiam ser mais delimitados no Brasil se o parâmetro oferecido pela Constituição fosse mais direto, sem tantos rodeios.
Pilar frágil na Constituição, além das leituras e aplicações muitas vezes equivocadas que o Judiciário faz, via de regra, torna-se um prato cheio para que os inimigos da liberdade a reduzam a pó.
Em vez de tratar essa questão em uma MP ou em um PL, o governo e o Congresso, os meios jurídicos e a sociedade civil de modo geral poderiam realizar uma discussão que, ao fim, suscitasse em uma lapidação do conceito de liberdade de pensamento e expressão disposto no pilar do Estado de Direito brasileiro.
Como se sabe, a nossa Carta Magna é um texto enorme, emendada uma centena de vezes em mais de três décadas de vigência. A sua extensão e a pretensão de regular as minúcias da vida nacional não colaboram com a segurança jurídica. O livrinho, além de retirar competências privadas e repassá-las ao Estado, é campeão do “mas”: garante uma coisa, mas logo em seguida volta atrás e desdiz o que disse. A liberdade de expressão, de pensamento e de manifestação torna-se vítima e refém da instabilidade das inúmeras exceções que superam a regra.
Por um lado, a Constituição protege a liberdade de pensamento e de manifestação. Porém, em trechos posteriores, apresenta uma série de particularidades que afastam sua aplicação. Da forma como foi redigido, o texto ilustra um “direito” que pode ser facilmente descartado conforme o caso, as partes interessadas e o julgador. É como se repousasse sobre uma areia movediça: um terreno que, ao menor dos movimentos, pode afundar.
Tratar esse valor indispensável a uma democracia vigorosa como o Brasil faz cobra seu preço. O pilar frágil na Constituição, além das leituras e aplicações muitas vezes equivocadas que o Judiciário faz, via de regra, torna-se um prato cheio para que os inimigos da liberdade a reduzam a pó. Dia sim, e dia também, vemos reportagens censuradas, veículos de imprensa e produtores de conteúdo acossados, monetizações de mídias bloqueadas, e um crescimento cada vez maior de autoridades que se autoconcedem o direito à “curadoria da verdade”.
Sob esse pretexto, o debate de ideias
fica pobre e exposições que contrariem a visão dominante são desaconselhadas. O
Brasil precisa amadurecer, olhar para dentro e formatar de uma maneira mais
sólida a estrutura que servirá como base para aplicação mais cristalina da
liberdade, em equilíbrio entre liberdade de manifestação e livre iniciativa. Se
a Constituição não é das melhores, podemos remodelá-la. E, enquanto isso não
for feito, não precisamos piorá-la ainda mais na sua composição com a
realidade, distorcendo o texto de modo a que ele responda a visões e interesses
particulares.
A liberdade de expressão não pode ficar numa solitária, escura e suja,
condenada ao ostracismo, algo fora de moda. Ela precisa florescer como o
requisito primeiro para uma ordem social melhor. Uma democracia mais elevada se
constrói com debates qualificados, abertos ao diferente, com suporte a
argumentos firmes, irreverentes e vorazes no plano das ideias. “Se a liberdade
significa alguma coisa, será, sobretudo, o direito de dizer às outras pessoas o
que elas não querem ouvir”, já nos ensinava George Orwell.
Douglas Sandri, graduado em Engenharia Elétrica, é presidente do Instituto de Formação de Líderes (IFL) de Brasília e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados.
Não é só “adeus, Disney”: como o dólar alto afeta sua vida e a economia
Senado aprova limitação do salário mínimo e do BPC e encaminha para sanção de Lula
PEC de deputados que corta o triplo de gastos ainda busca assinaturas para tramitar
Lula grava mensagem ao mercado financeiro e diz que está convicto com estabilidade econômica