O estado do Paraná determinou, recentemente, a restrição do direito de ir e vir de seus cidadãos, impondo toque de recolher, além da restrição a reuniões de mais de dez pessoas, mesmo que no seio familiar, em razão da pandemia desencadeada pelo coronavírus. Certo é que a liberdade ou, mais especificamente, o direito de ir e vir somente pode ser restringido em época de guerras ou outras situações destacadas na Constituição Federal sob pena de violação ao que dispõe o artigo 5.º, XV, da Carta Magna.
Ainda que se entenda estarmos em um estado de calamidade pública, de forma a tentar enquadrar a situação no estado de defesa previsto no artigo 136 da Constituição, o referido decreto estadual, seguido pelos municipais, afrontam diretamente nossa norma matriz por usurpar poder exclusivo do presidente da República, o qual deverá passar pela aprovação do Congresso Nacional, conforme os artigos 21, V; 49, IV; e 84, IX, da Constituição.
Mesmo em estado de defesa, a Constituição não limita o direito de ir e vir da população. Tal restrição de direito fundamental é tão gravosa e excepcional que só se admitiria da interpretação do artigo 139, I, segundo o qual, no estado de sítio – e apenas nele –, “poderão ser tomadas contra as pessoas (...) medidas” como a “obrigação de permanência em localidade determinada”. Deste modo, podemos concluir que estamos em estado de sítio decretado pelo estado do Paraná e municípios, o que é absolutamente inconstitucional, e enfraquece os pilares de um Estado Democrático de Direito.
Não se pretende, aqui, relativizar a seriedade da pandemia desencadeada pela Covid-19, tampouco se nega a existência dos efeitos devastadores decorrentes da infecção pelo novo coronavírus. Entretanto, é preciso apontar responsabilidades a quem é devido, visto que se torna fácil nesse momento tolher direitos fundamentais que com tanto sacrifício foram conquistados.
E aqui faz-se uma crítica severa aos políticos eleitos para atuar no interesse maior de seus eleitores. Do mesmo modo, é preciso escancarar toda as ações ineficazes e sem qualquer embasamento científico, mas tão somente em retórica apoiada em dados pseudocientíficos, e que culminaram na contínua propagação da pandemia, o que é mais dramático com a derrocada da economia graças às intervenções estatais. Medidas restritivas foram tomadas arbitrariamente, e seus custos sociais e econômicos são arcados inteiramente pela população.
É cômodo para os líderes políticos apontar que todos são culpados pela transmissão desenfreada de um vírus que nem sequer pode ser controlado, eis que invisível aos olhos humanos. Também é cômodo achar culpados efêmeros a cada “pico de contaminação” que a pandemia atinge. Primeiro, pessoas identificadas, rótulos, etiquetas, culpados do contágio. Segundo, todos os jovens, bares, academias, igrejas, e por aí vai a lista de vilões, enquanto os políticos discursam suas falácias para agrado de grupos de interesse.
Ora, princípio básico de uma incriminação é provar aquilo que se acusa. E aqui se chega ao ponto em que se defende a liberdade, a qual está sendo cerceada pelo Estado sem a devida motivação. É dever do Estado identificar os focos de contaminação e criar políticas para isolamento do vírus (e não das pessoas), de forma a diminuir o prejuízo aos administrados, tanto na esfera da saúde quanto da economia.
À medida que os representantes políticos apontam culpados – ora crianças no ambiente escolar, ora cultos religiosos, ora jovens que insistem em fazer o que dos jovens se espera –, nada mais fazem que manobrar para ocultar sua própria ineficiência em coordenar minimamente uma atuação para controle da pandemia. O Estado se isenta de qualquer responsabilidade sobre o avanço desenfreado da pandemia ao colocar toda a culpa na própria população e, nessa mesma medida, justifica e legitima suas arbitrariedades ao tolher direitos fundamentais como os de ir e vir e de se reunir.
O colapso do sistema de saúde? Esse é anterior à pandemia. A falta de leitos em hospitais é manchete há décadas.
Ao fim, o que fica claro é que máscaras de pano não vão salvar a população de um vírus, bem como restrições e isolamento sem fundamento. Ainda que se verifique uma calamidade pública sem precedentes, isso não justifica as atuais medidas inconstitucionais que limitam a liberdade, o direito de livre locomoção e de reunião da população dentro de suas próprias casas.
Os direitos fundamentais dos cidadãos estão sendo violados pelo Estado, justamente aquele que tem o dever de garanti-los. Ao contrário, o Estado tem se omitido na atuação eficiente de contenção da pandemia, transferindo toda a responsabilidade pelo seu exclusivo fracasso à população.
Rafael Leite Mastronardi é advogado com pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal. Adriano Biancolini é advogado com atuação especializada em Direito Público e Empresarial.