Hoje, até onde eu tenha conhecimento, a unicidade sindical é uma jabuticaba que só existe no Brasil. Seu fim representaria o fortalecimento do sindicalismo no país. E, para entender por quê, temos de entender como ela surgiu.
No início dos anos 1900, a exemplo do que acontecia na Europa, nasciam os sindicatos no Brasil, fortemente influenciados pelos imigrantes e considerados ameaça pelas elites. Em julho de 1917, aconteceu na cidade de São Paulo a primeira e única greve geral da história nacional, comandada por organizações operárias de inspiração anarquista. As indústrias, o comércio e os serviços em São Paulo fecharam as portas por 32 dias e só reabriram de novo depois que as reivindicações foram atendidas. É interessante observar que este e outros movimentos foram apagados dos livros de história. O movimento mostrou como as organizações operárias podiam lutar e defender seus direitos de forma livre.
Nos anos seguintes a repressão foi grande, com a deportação de muitos imigrantes, mas os sindicatos continuaram lutando e, a partir de 1922, foram também insuflados pelo movimento comunista. Esta “modernidade” vinda da Europa incomodava fortemente os nossos empresários de então, ainda influenciados pela herança da sociedade escravocrata.
Com o fim da unicidade sindical caminharemos para sindicatos representativos e fortes
Ao assumir o governo, Getúlio Vargas, com uma boa visão estratégica e se lembrando dos problemas enfrentados pelos seus antecessores, com uma visão fascista, se aproximou das classes operárias implementando imediatamente diversas reivindicações dos sindicatos e trabalhadores, como jornada de oito horas diárias e as férias remuneradas.
Entretanto, a defesa dos interesses dos trabalhadores foi seguida de leis que custaram a autonomia organizacional e ideológica dos sindicatos brasileiros, que engoliram a pílula da unicidade. Muitos perderam a identidade e a ideologia. Nasceu o “peleguismo sindical”, que sobrevive até hoje, suportado pelo tripé da unicidade sindical, imposto obrigatório e controle do Estado da criação de sindicatos.
No restante do mundo, a organização sindical continuou livre, as relações entre capital e trabalho amadureceram e todos cresceram. No Brasil, floresceu um modelo sindical que, com importantes exceções, é muito mais voltado aos interesses dos dirigentes que dos trabalhadores. A perpetuação do poder é uma característica de muitos sindicatos brasileiros. Às vezes, passa de pai para filho.
A liberdade sindical que existiu até a era Vargas desapareceu. Os trabalhadores, é sempre bom repetir, diferentemente no que aconteceu no restante do mundo, não podiam escolher livremente o seu sindicato. Ser dirigente de sindicato (novamente, com exceções) passou a ser um bom negócio e os sindicatos se proliferam país a fora. Hoje temos muitos sindicatos, mas fracos.
O fim da unicidade sindical será tranquilo? Seguramente não, a liberdade sindical é necessária. Os trabalhadores têm de decidir qual sindicato os representa. O fim do imposto obrigatório foi um importante passo, mas não suficiente para sepultar este modelo. Os interesses envolvidos são enormes e envolvem também os sindicatos de empresas. O fim do imposto sindical obrigatório representou a “perda” de US$ 1 bilhão por ano. O fim da unicidade também afeta os sindicatos e, do lado patronal, até o “Sistema S”.
Acredito muito na importância dos sindicatos, e costumo dizer que as empresas e os sindicatos são as duas faces de uma moeda chamada capitalismo. Onde os sindicatos se fortaleceram, as empresas também se fortaleceram e o capitalismo prosperou, como na Inglaterra e Alemanha.
Com o fim da unicidade sindical caminharemos para sindicatos representativos e fortes, e as empresas e os trabalhadores poderão definir as regras que mais interessam as partes. O negociado de fato irá sobrepor ao legislado. Com a modernização das relações trabalhistas no Brasil, teremos uma reforma sindical completa.
André Coelho Teixeira é especialista em Relações Trabalhistas e professor da Fundação Dom Cabral.
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