O cidadão brasileiro tem medo do Estado e dos bandidos. O primeiro lhe toma a liberdade; os segundos lhe tomam a vida e os bens. Os bandidos e o Estado não têm medo de ninguém e essa coincidência de destemores já dá o que pensar. Ou não? O medo que só sociedade sente é um inibidor bem conhecido dos tiranos. E dos demais bandidos.
Passei a observar no Brasil o mesmo medo que os cubanos têm do Estado, do MININT, da militância do Partido e dos agentes dos Comitês de Defesa da Revolução – CDRs. O que percebo é muito semelhante ao que conheci, estando lá, quando me vi observado e filmado pelo regime em decorrência de conversas que mantive, por telefone e, posteriormente, em entrevistas pessoais com líderes da oposição cujos aparelhos estavam grampeados. Vem dessa experiência a compreensão de que a liberdade, no Brasil, está sob ataque.
A liberdade está em perigo e seu futuro é incerto. Para recuperá-la, precisamos fazer o que não fizemos enquanto os inimigos da liberdade ocupavam todos os espaços.
Impossível negá-lo quando pensamos nas restrições à liberdade de expressão, no encarniçado patrulhamento das redes sociais, nos robôs farejadores do ciberespaço, na censura de conteúdo sendo superada, em número de ocorrências, pela censura de autores, com supressão de seu direito de trabalhar em comunicação social e o bloqueio de seus ganhos.
Há que fazer como o apóstolo Paulo e infiltrar o coração do Império. E há também que criar movimentos, promover eventos, formar líderes, apoiar quem não vende a liberdade.
Tudo fica ainda mais alarmante quando pensamos na liberdade de pensamento. “Livre pensar é só pensar”, dizia o notável Millôr Fernandes nas suas páginas semanais da revista O Cruzeiro. Será, ainda hoje,tão simples assim, Millôr? Pensamos, mesmo, com liberdade, no silêncio da nossa mente?
Não esqueçamos que, para pensar, dependemos do vocabulário que temos e das ideias, conhecimentos, fatos e interpretações que nos chegam. Não percamos a consciência de que todos esses suprimentos do livre pensar vêm sendo minuciosamente manipulados pela militância da mídia, da cultura e da educação.
Será com a soma do trabalho de todos, conscientizados, motivados, que, aos poucos, restituiremos ao povo brasileiro a dignidade que a liberdade proporciona.
O horizonte do livre pensar vem sendo reduzido, trazido à ponta do nosso nariz e nosso pensamento se contrai ao que possa ser operado com o limitado conteúdo de uma predeterminada caixa. Quantos brasileiros conseguem safar-se dela? Quem publicamente a transgride tem por destino o confinamento no gulag dos excluídos, onde o silêncio é o preço da verdade. Em muitos casos, o que sobrevém depende inteiramente da vontade de alguém com mão pesada e muita tinta na caneta.
Por isso, a liberdade está em perigo e seu futuro é incerto. Para recuperá-la, precisamos fazer o que não fizemos enquanto os inimigos da liberdade ocupavam todos os espaços. A lista é longa. Há que fazer como o apóstolo Paulo e infiltrar o coração do Império. E há também que criar movimentos, promover eventos, formar líderes (especialmente líderes jovens), motivar lideranças e apoiar quem não vende a liberdade, a democracia e o estado de direito por cargos e verbas públicas.
É preciso mobilizar e influenciar instituições privadas e públicas, estar presente nas universidades, enfrentar o sistema dentro do sistema, apoiar a maioria liberal e conservadora na Câmara dos Deputados. Em 2024, trabalhar para eleger vereadores e prefeitos, diminuir a influência dos partidos “comerciais” para reduzir o balcão dos negócios e o número dos negocistas. Devemos ter bem nítido o que queremos e o que não queremos para nosso município, nosso estado, nosso país e para nós, como cidadãos.
Ninguém individualmente pode fazer tudo isso. Mas cada um pode fazer a parte disso que lhe corresponde como consequência de suas condições de vida, ambiente, círculo e relações, talentos e vocações pessoais etc. Façamos isso pensando em nossas famílias, olhos postos no futuro do Brasil e de seu povo. Será com a soma do trabalho de todos, conscientizados, motivados, que, aos poucos, restituiremos ao povo brasileiro a dignidade que a liberdade proporciona. A receita não é nova. Talvez possa ser resumida – e note-se, de modo não simplório – em fazer para o bem, de modo moralmente sadio, o que muitos fizeram e fazem para o mal.
Percival Puggina, arquiteto, empresário e escritor, é membro da Academia Rio-Grandense de Letras, e autor das obras “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a tragédia da utopia”; “Pombas e Gaviões”; e “A Tomada do Brasil”. É integrante do grupo Pensar+ e autor do site Liberais e Conservadores.
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