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Acredito que nós educadores devemos começar a tratar também da responsabilidade social das famílias, das escolas e dos meios de comunicação a fim de que todos eduquem na verdadeira liberdade humana

Tem crescido nos últimos tempos, principalmente no mundo empresarial, a preocupação com a responsabilidade social. Parece que finalmente a sociedade despertou para o fato de que a mãe natureza tem suas próprias leis e que suas reservas não são inesgotáveis. Conscientizou-se de que o poder humano, podendo conservá-la ou destruí-la, tem de ser limitado de forma racional, caso contrário viveremos sempre em eterna ameaça apocalíptica. Mas perguntemo-nos: será que há esta mesma percepção com relação ao ser humano? Será que já existe, não só nas empresas, mas em todas as estruturas sociais um entendimento de que é preciso redescobrir também as leis do próprio homem, para assim preservar a dignidade da pessoa humana e não a destruir?

Confesso que há dias – talvez por estar acostumado a acreditar no homem –, em que minha resposta à indagação é afirmativa, mas há outros em que, lastimavelmente, contemplando o noticiário, devo concluir que não. E também há dias em que me pergunto: mas para quê todos estão preocupados com a conservação da natureza, com o conforto humano e com a salvação do mundo se depois o vamos encher de "animais-humanos", muitos deles atuando até de forma infra-animal? Não será isso uma ameaça muito mais perigosa?

Acredito que nós educadores devemos começar a tratar também da responsabilidade social das famílias, das escolas e dos meios de comunicação a fim de que todos eduquem na verdadeira liberdade humana.

Infelizmente, muitas correntes pedagógicas das últimas décadas, levadas mais por visões distorcidas e ideológicas do que por estudos sérios de antropologia, espalharam mentiras educacionais que desfiguraram a liberdade. Uma delas é que a criança constrói melhor seu conhecimento se o educador fomenta uma espontaneidade quase ilimitada no processo de aprendizagem. A afirmação "o importante é deixá-la ser autêntica e fazer o que gosta, pois assim obterá maior sucesso escolar" costuma ser a música sedutora. Outra postura mais sedutora ainda é cantar para os educadores que reprimir sentimentos, corrigir assertivamente, castigar razoavelmente, podar iniciativas desmedidas poderá provocar desequilíbrios psicológicos irreparáveis e afetar a aprendizagem e a autoestima da criança.

Para desmascarar essas mentiras, é preciso recordar os elementos básicos da verdadeira liberdade humana, que poderiam ser resumidos numa definição simples e fácil de memorizar: a liberdade humana é a capacidade de escolher bem, para uma finalidade boa, na prática.

Ser livre é uma capacidade, é um poder de escolher. Portanto, exigirá sempre muitos cuidados e principalmente o uso da racionalidade. Sendo um poder, a liberdade exige aquisição desse poder, de forma tanto racional quanto volitiva. Quando deixamos o aluno ser "autêntico", isto é, espontâneo, o resultado poderá ser lindo e até proveitoso em algumas ocasiões, mas na maioria das vezes será irracional. A criança tem de aprender que a verdadeira liberdade é aprender a partitura da afetividade. Primeiro na teoria, com reflexão e aconselhamento, e depois pelo aprendizado prático das virtudes éticas.

Sabemos que ninguém se dispõe a aprender, de fato, uma partitura simplesmente por achar linda a teoria musical. Qualquer músico quer atingir o encantamento e o êxtase. Daqui podemos deduzir que não basta escolher bem, é preciso escolher para uma finalidade boa. Quando a criança é ensinada que liberdade é fazer o que se quer, é viver os próprios gostos, ela e quem lhe educa assim têm com certeza uma finalidade boa, que é ser feliz e, portanto, a proposta parece bastante sedutora. Passado o tempo, porém, em geral a criança começa a sentir-se fraca, percebendo que lhe faltam forças para levar adiante qualquer projeto. Sente dentro de si uma forte polarização grupal – aquilo que o grupo espera que ela faça – e tem de escolher coisas que nem lhe agradam tanto, porque lhe faltam argumentos convincentes para dizer "não". Sofre ainda de solidão e depressão, porque a vida não é como ela imagina e as dificuldades a massacram. No final, a felicidade almejada acaba nunca sendo experimentada e os desequilíbrios afetivos que se queriam evitar acabam se tornando muitíssimo mais graves.

Buscar fazer o que se quer sem ser impedido pelos outros é um objetivo excelente, o qual todos devem desejar. Mas da forma correta, sem deixar-se enganar pela incorreta, ou seja, pelo mal. É preciso concluir que só a escolha de acordo com os princípios que regem a natureza humana é o que de fato liberta, apesar do esforço e sacrifício que acarreta viver os mesmos. Todo educador sabe que educar vem de ducère (guiar, conduzir) e de educère (extrair as capacidades de dentro). Porém, se a educação em geral continuar enveredando por caminhos de libertinagem, talvez possamos assemelhá-la antes a seducère (seduzir), pois o prefixo "se" indica afastamento, separação, e é isto o que acaba fazendo a má educação privando o jovem a seguir vocação natural ao amor e à liberdade compartilhada.

João Malheiro, doutor em Educação pela UFRJ,

e-mail: malheiro.com@gmail.com | BLOG: escoladesagres.org

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