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Opinião do dia 2

A “locomotiva” começa a desacelerar

Dizer que os norte-americanos são "consumistas" não é uma novidade. Uma economia em que os gastos com consumo totalizaram US$ 8,1 trilhões em 2006 parece merecer esta classificação. Dizer que estas famílias estão altamente endividadas também não nos parece algo novo. Programas de televisão e blogs na internet – com nomes pra lá de sugestivos como, por exemplo, "faça amor, não faça dívidas" – procuram ensinar como controlar o desejo de consumo e ajustar o padrão de vida dos norte-americanos. Perceber como a nossa vida pode ser afetada por alterações deste cenário é o ponto relevante.

O consumo é o grande motor da expansão norte-americana. Uma retração abrupta dos gastos com o consumo reduz o ritmo de expansão da economia. Por sua vez, a expansão da economia mundial está fortemente condicionada à manutenção do ritmo de expansão dos EUA. Boa parte das vendas externas dos chineses, por exemplo, depende das condições vigentes neste mercado. Hoje, 18% das exportações brasileiras têm como destino este mercado. Gostem ou não, os norte-americanos ainda são a grande "locomotiva" do mundo.

A expansão do consumo das famílias nos EUA nos últimos anos, em particular entre 2000 e 2005, é explicada por diversos fatores, alguns positivos, outros nem tanto. O intenso ritmo de crescimento do emprego e o elevado grau de desenvolvimento do sistema de crédito permitiram que as famílias tivessem renda e condições de financiar seus gastos, acelerando o ritmo de crescimento da economia. No entanto, outros fatores, menos nobres, jogaram um papel importante neste processo de elevação do consumo. As expressivas valorizações do mercado acionário e do mercado imobiliário norte-americano são essenciais para entender esta exagerada expansão do consumo e do endividamento.

As famílias entraram num jogo muito perigoso: compraram imóveis financiados apostando em sua valorização. Enquanto o preço dos imóveis subiu, a riqueza das famílias também subiu. As famílias se sentiram mais ricas, o que contribuiu para ampliar ainda mais os gastos com consumo. Assim, a expectativa de elevação dos preços dos imóveis promoveu uma onda de crescimento na demanda por imóveis que, entre 2000 e 2005, acabou promovendo uma elevação espantosa dos preços no mercado imobiliário. Há muito tempo os economistas sabem como chamar este processo: bolha especulativa.

Desde janeiro de 2004 o Federal Reserve (FED), o Banco Central dos EUA, vem empreendendo um endurecimento da política monetária com intuito de conter esta bolha imobiliária e seus efeitos inflacionários. A manutenção da taxa de juros básica em 5,25% ao ano (bastante alta para os padrões norte-americanos) é a principal arma do FED nesta luta. Os efeitos do juro alto começam a aparecer tanto no que se refere à contenção da bolha no mercado imobiliário, quanto no lado real da economia. Dados do Departamento de Comércio norte-americano informam que os preços dos imóveis residenciais já acumulam uma queda de 14,2% de março de 2006 até março de 2007.

Juros mais altos e redução dos preços dos imóveis têm contribuído para a redução no ritmo de crescimento do consumo e do produto nos EUA. Como resultado, alguns analistas já apontam para um crescimento de apenas 2,5% para o produto americano em 2007.

Este desaquecimento da economia norte-americana é um fenômeno já esperado pelos analistas. O que preocupa é a velocidade deste ajuste. Se ao invés de fazer uma "aterrissagem suave", como pretende o FED, a redução da atividade for mais abrupta, o cenário econômico internacional pode ser alterado. O "céu de brigadeiro" pelo qual tem navegado o governo Lula pode estar chegando ao fim. Resta saber como nosso "piloto" irá navegar num cenário mais turbulento.

Marcelo Curado é chefe do Departamento de Economia da UFPR e doutor em Economia pela Unicamp.mcurado@ufpr.br

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