Centro de Detenção de Araraquara, em São Paulo: 1.443 presos em um espaço destinado a 160. A foto que ilustra capas de revistas e jornais registra o trágico jogo de faz-de-conta em que se transformou a política de segurança pública no Brasil. Ao mesmo tempo, é um alerta, talvez o último, para o que resta de espírito público em conta dos governantes deste país. A bomba-relógio já foi acionada e a explosão não tardará. Graças à demagogia de alguns e à incompetência e imediatismo de muitos, caminhamos rumo ao descontrole total do Estado e à instauração de uma verdadeira guerrilha urbana. O Primeiro Comando da Capital (PCC), cuja existência as autoridades fingiram desconhecer, está, de fato, determinando a agenda das autoridades. Não há, lamentavelmente, políticas públicas consistentes na área de segurança. Há, sim, espasmos reativos das autoridades e sucessivas explorações eleitorais daqueles que transformaram o sofrimento da sociedade paulista em instrumento de captação de votos.
Enquanto os políticos manipulam o medo da população, o crime avança numa escalada sem precedentes e ameaça os próprios alicerces do Estado de Direito. Transcrevo, caro leitor, o diálogo do bandido Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, com o presidente da CPI do Tráfico de Armas, deputado Moroni Torgan (PFL-CE). O depoimento foi reproduzido pelo jornalista Josias de Souza. A sessão de inquirição de Marcola transcorria em tom cordial. Súbito, o presidente da CPI levantou o timbre de voz. Tentava arrancar do interrogado o reconhecimento de que comanda o PCC. Acusou a facção criminosa de aproveitar-se dos presos, obrigando-os a reincidir no crime depois de libertados da cadeia, para financiar o PCC. Marcola não gostou nem do tom de voz do deputado nem das observações. E pediu respeito:
Moroni: "O que existe é uma organização criminosa".
Marcola: "Vamos parar o grito (...)".
Moroni: "Uma organização criminosa".
Marcola: "Vamos gritar. É isso que o senhor quer?"
Moroni: "Eu falo do jeito que eu quiser (...)".
Marcola: "Não grita, pô!"
Moroni: "Agora eu quero dizer, com todo o respeito que eu tenho pela humanidade: o PCC existe para explorar os coitados dos presos, que têm que sair para rua e trabalhar para eles. Tem que trabalhar, tem que ser criminoso. Se tu saíres, pagar tua pena, tu tens que ir para rua para ser criminoso".
Marcola: "E o que é que os deputados fazem? Não roubam também? Roubam para car..., meu!"
A lógica de Marcola é direta: não há diferença entre um traficante e um deputado. Ambos roubam. Segundo a filosofia do ideólogo do PCC, a democracia é o regime do vale-tudo. A dedução, absurda, tem sido confirmada pelo comportamento de muitas de nossas autoridades. Todos os sinais foram trocados. O que fazer quando o próprio presidente da República, em estarrecedora entrevista concedida a uma jornalista em Paris, considerou normal que as agremiações partidárias operassem com caixa 2? Poucos dias depois de devolver ao PMDB o comando dos Correios, marco-zero do maior escândalo da história do nosso país, o presidente Lula rebateu as críticas de que aderiu de vez ao fisiologismo com um argumento surrealista: não responderá por escândalos e deslizes cometidos em áreas de seu governo controladas por outros partidos. A estratégia do presidente que nada sabe está sendo substituída pela tática da omissão preventiva.
Não se constrói uma democracia com mentira, casuísmos ou espertos malabarismos jurídicos. Edifica-se uma grande nação, sim, com o respeito à lei e à verdade. A transparência informativa, de que o governo do presidente Lula não gosta, representa o elemento essencial de renovação do Brasil. A imprensa, no cumprimento de sua missão de informar, não frustrará a expectativa de milhões de brasileiros. A mídia não é antinada e não está a serviço de nenhuma legenda partidária. Nosso cliente não é o poder. É você, caro leitor.
A conseqüência do crime deve ser a punição cabal e completa. Só assim, a terrível lógica de Marcola será derrubada.
Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, e diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia.
difranco@ceu.org.br
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