Cabe a pergunta: qual é a situação do acervo histórico? Essa é questão a ser investigada pela equipe do secretário Paulino Viapiana
O governo que está chegando ao estado poderá marcar alguns pontos na área cultural se partir para um programa maduro de levantamento da memória paranaense na sua fronteira mais imediata, a da história oral. A quase solitária e ampla ação nesse sentido, e muito bem-sucedida, foi o projeto Memória Paranaense/Bamerindus, que colheu profissionalmente cerca de 350 depoimentos em UHF, nos anos 1980/90. Hoje é praticamente impossível conhecer a íntegra do trabalho. Ocorre que o insuperável acervo ficou inicialmente em poder do Banco Central, e depois teria ido para o Museu da Imagem e do Som (MIS), mas o destino das fitas é dado como inacessível ao público. Ou poucos privilegiados a elas chegaram. Na verdade, cabe a pergunta: qual é a situação do acervo histórico? Essa é questão a ser investigada pela equipe do secretário Paulino Viapiana. Ela poderá dizer os propósitos do poder público para a fitas.
Outra ação importante com a mesma intenção, mas sem a amplitude do trabalho patrocinado pelo Bamerindus, foram os depoimentos dados a José Wille, na CBN/Curitiba.
O projeto do Bamerindus ouviu paranaenses que construíram nossa história, ao longo do século 20, recolhendo o olhar memorialístico de atores de grandes momentos da realidade paranaense, de políticos como Ivo Arzua, Ney Braga, Euclides Scalco, a educadores como Ruy Wachowicz, dom Jerônimo Mazzaroto, Hélcio Buck e Silva, Ocyron Cunha, Cecília Westphalen, cientistas como Metry Bacilla, artistas e animadores culturais, como Ennio Marques Ferreira, o crítico Wilson Martins. O monumental esforço consumou-se a partir de concepção de Belmiro Valverde Castor. Foi capitaneado por João De Deus Freitas Neto, com o apoio de entrevistadores inseridos na história do estado: jornalistas Luiz Geraldo Mazza, Aramis Millarch, Hélio Puglieli, Renato Schaitza, equipe da qual também fiz parte. Num certo tempo, teve a ajuda de Eloi Zanetti.
No âmbito do governo, pouco ou quase nada foi feito na área, a não ser tentativas semiamadoras patrocinadas por alguns servidores públicos.
A proposta de seguir as pegadas do Bamerindus sobretudo com alocação de recursos materiais essenciais está contida no Projeto Memória Paranaense/Uninter, existente há quatro anos, que já tem cerca de 40 fitas gravadas profissionalmente em estúdio. O projeto vem colhendo depoimentos inéditos e decididamente históricos, como os dos ex-ministros Karlos Rischbieter (Fazenda), Arzua (Agricultura) e Euclides Scalco. Arzua e Rischbieter foram personagens de capital participação nos governos Costa e Silva e João Figueiredo. Scalco, ministro de FHC, registrou seu amplo olhar sobre a geografia e os meandros socioeconômicos paranaenses, em suas passagens privilegiadas de construtor da sociedade. A ampla imersão de Fani Lerner na construção de políticas públicas para a infância eis outro tento do projeto Uninter.
Ex-governadores, como Jaime Lerner e Paulo Pimentel, assim como o ex-prefeito de Curitiba Saul Raiz que estiveram no epicentro das grandes decisões históricas da vida do Paraná nos 50 anos registraram, às vezes em mais de uma gravação, como viram, viveram e atuaram em episódios decididamente históricos.
Há o olhar terno e sapiente de intelectuais, como o nonagenário poeta e mestre da língua de Camões, Leopoldo Scherner, registrado em DVD, assim como o arcebispo emérito Dom Pedro Fedalto faz uma ampla e irretorquível incursão pela história de Curitiba dos últimos 60 anos. Levanta dom Pedro datas, nomes e episódios com maestria e revelando memória prodigiosa.
Os exemplos do Bamerindus e Uninter agora avultam quando mergulho na leitura de uma obra recente (e rara), escrita pela jornalista Maí Nascimento Mendonça e a bibliotecária Maria Thereza Brito de Lacerda Os franceses no Paraná. O livro, que não está à venda e chega às mãos de público selecionado na sua primeira fase de distribuição, é prova de que a História se desvenda com pertinácia, muita pesquisa e capacidade de síntese. Não é trabalho que comporte ficar na "reserva de mercado" dos historiadores universitários.
O livro é prova, sobretudo, de que o olhar jornalístico, como o de Maí, não tem limites, até para quebrar tabus históricos. Tal como fez o projeto Bamerindus, e faz o Memória/Uninter (em cuja equipe estão Luiz Geraldo Mazza, Celso F. do Nascimento, Eduardo Sganzerla, Geraldo Bolda e Hélio Puglielli).
Aroldo Murá G. Haygert, jornalista, é coordenador do Meória Uninter, presidente do Instituto Ciência e Fé, autor da série de livros Vozes do Paraná.