Afinal, a nossa presidente dirigiu a máquina ou estava na garupa? Cada país tem os debates e dilemas existenciais que merece. Nosso "ser ou não ser" neste aziago 24 de agosto – o 59.º desde o suicídio de Getúlio Vargas – é surpreendente.

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A primeira mandatária é uma motoqueira que não resiste à sensação de liberdade propiciada por uma poderosa Harley-Davidson deslizando no asfalto de Brasília? Ou tudo não passa de armação dos marqueteiros e comunicadores para trocar a imagem da birrenta chefe de Estado que, aos quase 66 anos, cansou dos tailleurs formais e reuniões improdutivas para aproximar-se da juventude?

Se porventura pilotou a moto, cometeu uma infração, já que não tem habilitação. Se acaso estava na garupa, como carona, é legítimo perguntar – quem é o privilegiado e estouvado condutor? Não haveria outra forma de distrair a primeira mandatária na folga dominical? Por que não deu uma passada numa das livrarias da capital para folhear as novidades, ou chamou os amigos para assistir no cineminha do Alvorada ao fascinante Hannah Arendt?

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Tudo bem: passear no Rolls-Royce presidencial com a capota arriada ao lado da filha e do neto causaria revolta equivalente à dos brioches de Maria Antonieta (história, aliás, inverídica), mas, sendo mineira e carente de mar, por que não escolheu uma volta de lancha no Lago Paranoá? Faria um bem enorme às vias respiratórias ressecadas pelos ares da capital no inverno.

Leitoras devem estar indagando se usou um blusão de couro ou como ajeitou o topete laqueado no capacete obrigatório. Analistas, e politólogos debruçam-se sobre o significado dessa rebeldia contra as formalidades e a solidão palaciana; psicólogos certamente acham que uma Dilma humanizada fica mais próxima dos manifestantes que da zangada base aliada.

Fato ou factoide, impulso espontâneo ou armação, a verdade é que o episódio motociclista só reforça a impressão de que estamos vivendo um dos mais graves momentos desde a redemocratização. O gigante acordou, afirmam os especialistas de olho nas Jornadas de Junho, mas o despertador foi uma frustração montante, revolta surda contra o triunfalismo enganoso, contra os scripts antecipados, contra o jogo feito, sem opções, irrecorrível.

Quase três meses depois das primeiras manifestações, as lideranças continuam perplexas, atônitas e catatônicas, fixadas em outubro de 2014 e absolutamente desatentas ao que pode acontecer em outubro, ou novembro, ou dezembro de 2013.

Solto o pino que segurava a máquina de protestar, sumiu a passividade, a capacidade de engolir sapos e resignar-se ao circo de horrores da nossa política. Cada segmento da sociedade quer uma vitória equivalente aos 20 centavos que não foram aumentados nas tarifas de transporte público de São Paulo.

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O conjunto destes simbólicos 20 centavos economizados representa uma formidável coleção de mudanças em todos os campos, esferas e latitudes. O país que foi para as ruas quer mudanças concretas, visíveis, palpáveis, imediatas. Quer uma mexida geral, movimento.

Em matéria de urgência, a metáfora da motocicleta é perfeita.

Alberto Dines é jornalista.