Os Jogos Olímpicos parecem uma grande celebração do esporte, mas são mais que isso. São uma celebração do ser humano e de sua capacidade de se unir. Houve momentos de exceção, como os delírios hitleristas em 1936, o atentado aos israelenses em 1972, o boicote americano em 1980 e o revide soviético em 1984, mas a grande virtude do evento é colocar todo o planeta em um lugar, interagindo em paz dentro de uma linguagem comum a todos: o esporte.
Ao Brasil, nosso cumprimento
A saudação à bandeira e ao hino nacional são gestos habituais nas competições esportivas, especialmente nos Jogos Olímpicos, desde sua primeira edição. Trata-se de um ato voluntário e importante de reconhecimento e homenagem do atleta
Leia a matéria completaNão à toa, o COI tenta sempre evitar simbologias políticas em torno das competições. Por exemplo, durante décadas a entidade nem sequer organizava um quadro de medalhas por país. O temor era acirrar a concorrência entre nações, que poderiam transformar conquistas esportivas em questão de Estado e politizar os Jogos. Claro, era um gesto puramente simbólico, pois ninguém impediu a imprensa esportiva mundial de contabilizar as medalhas, ou governos de usarem medalhas de ouro como medida de sucesso de regimes políticos.
Por isso, deve ser vista com preocupação a notícia de que atletas brasileiros com ligação militar pretendem prestar continência caso subam ao pódio. Um gesto praticado largamente durante os Jogos Pan-Americanos de 2015 e que teria boas chances de se repetir no Rio, sobretudo em modalidades como judô e vôlei de praia.
Mesmo que não seja uma obrigação militar, ainda há quem defenda o gesto como sinal de patriotismo. Bobagem. Ser patriota é fazer o possível para que o país se torne melhor.
O primeiro ponto importante é entender o motivo desse fenômeno. Em 2011, o Rio de Janeiro organizou os Jogos Mundiais Militares. Para reforçar a equipe brasileira, foi criado, em 2009, um programa de militarização de atletas olímpicos. Eles receberam um treino militar rápido – um processo que cria o que, dentro dos quartéis, é chamado jocosamente de “sargento-miojo” (“três minutos e está pronto”) – para ganhar a patente de sargento. Funcionou: o Brasil foi o primeiro no quadro geral de medalhas, com 45 ouros, oito a mais que a China.
Mas o projeto não acabou aí. Para os atletas, ele se tornou um canal para receber dinheiro estatal. As Forças Armadas se tornaram uma espécie de patrocinadora dos esportistas. Não me cabe julgar se eles compraram a causa ou mantêm uma relação puramente comercial, mas é uma relação estranha.
Eles são os grandes praticantes da continência no pódio, e parte do público entende isso como a obrigação de um militar. Não é verdade. O brigadeiro Carlos Amaral, diretor do Departamento de Desporto Militar do Ministério da Defesa, disse em 2015 que a continência “é uma saudação militar. Não é uma obrigação prestar continência no hino ou à bandeira no pódio”. Isso também foi confirmado por atletas que são realmente militares, que tinham carreira nas Forças Armadas e utilizaram essa condição para aprimorar uma vocação esportiva.
Júlio Almeida é tenente-coronel da Aeronáutica. Era o indivíduo com maior patente dentro da delegação brasileira no Pan-2015. Ele conquistou ouro no tiro e não prestou continência ao subir no pódio e ouvir o hino nacional. Explicação: “A continência é obrigatória quando estamos fardados. Já foi feita uma discussão sobre se os uniformes são fardas. Mas é um uniforme civil. Não estou fardado”.
Mesmo que não seja uma obrigação militar, ainda há quem defenda o gesto como sinal de patriotismo. Bobagem. Ser patriota é fazer o possível para que o país se torne melhor. Se o sujeito sentir orgulho real da medalha em seu pescoço e da bandeira que estiver subindo, já está mais que demonstrado seu carinho com o país.
No fim das contas, prestar continência é apenas distorcer tudo o que os Jogos Olímpicos representam. É militarizar um evento civil que tem como grande virtude colocar os povos frente a frente sem o uso de armas.
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