Atualmente, os preços governam nossa vida como nunca. A extensão da lógica de mercado às esferas da vida com as quais nada tem a ver alterou profundamente a sociedade. Cada vez mais atribuímos preços a bens não econômicos. Preciosos bens não econômicos (tais como, vida, saúde, procriação e proteção ambiental) passaram a ser monetizados de forma similar a produtos e mercadorias. Imersos numa “sociedade de mercado”, segundo feliz expressão de Michael Sandel, pessoas assumem, com certa naturalidade, que valor e preço são sinônimos, visto que as relações sociais foram e são rotineiramente remodeladas à imagem do mercado.
Esta é a premissa utilitária básica de Bentham: a de que qualquer bem de interesse humano pode ser capturada por meio de uma única unidade de medida de valor.
Há poucos dias um fatídico incêndio atingiu o alojamento de jogadores mirins situado no Ninho do Urubu, Centro de Treinamento do Clube de Regatas do Flamengo situado na cidade do Rio de Janeiro. No infeliz acidente, dez jovens atletas faleceram. A despeito de as investigações ainda estarem em curso, paralelamente, apuram-se valores mínimos com vistas a determinar futuras reparações civis. Representantes do Flamengo, da Defensoria Pública, do Ministério Público e advogados, recentemente, iniciaram discussões no intuito de estimar monetariamente o valor de cada vida perdida.
Ainda que o valor da vida seja incomensurável, por vezes, somos levados a monetizá-la
Na primeira sessão de conciliação, representantes do Flamengo apresentaram propostas de reparação em torno de R$ 300 a R$ 400 mil (posteriormente majoradas para R$ 700 mil) e pensionamento no importe de um salário mínimo pelo prazo de 10 anos. Na justificativa da proposta, o Flamengo afirmou que os valores oferecidos superam àqueles pagos aos parentes das vítimas da Boate Kiss (que se aproximaram de R$ 187 mil e pensionamento). Por outro lado, a Defensoria e o Ministério Público, na mesma oportunidade, haveriam sugerido indenizações de R$ 2 milhões e pensionamento de R$ 10 mil por aproximadamente 30 anos (até que os atletas alcançassem 45 anos).
No Superior Tribunal de Justiça, a propósito, a matéria está sistematizada. O Tribunal da Cidadania tem considerado razoável a fixação da compensação pela perda de um ente familiar em até 500 salários mínimos em favor da entidade familiar e imposto obrigações de pensionamento no importe de 2/3, isto é, 66%, da remuneração recebida pela vítima falecida (presumindo-se que 1/3 sejam destinados ao próprio sustento) ou do salário-mínimo, quando não houver prova da remuneração, até a data na qual a vítima atingiria idade correspondente 25 anos. A partir daí a pensão é reduzida: paga-se 1/3 da remuneração até a data em que a pessoa falecida atingiria idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro prevista no momento do óbito, segundo tabela do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Leia também: A morte e o sentido da vida (artigo de Eduardo Gama, publicado em 1.º de novembro de 2018)
Denota-se assim que, no cenário judicial, as discussões relativas a montantes indenizatórios são realizadas abstraindo-se aspectos individualizados de valoração, tendendo a seguir padrões segundo convenções jurídico-legais. Mesmo que os danos refiram-se a vidas, não mensuráveis por uma precificação, há um padrão básico a ser seguido como desdobramento da lógica jurídica de isonomia, tanto que o Superior Tribunal de Justiça orienta que os valores iniciais de compensações sejam estabelecidos “com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes”, embora outras variáveis do caso concreto possam influenciar a quantia.
Ainda que o valor da vida seja incomensurável, por vezes, somos levados a monetizá-la, seja porque voluntariamente precisemos (v.g., fixação de valor de apólice de seguros), seja porque inesperadas circunstâncias nos pressionem a avaliar a dor pela perda de um ente querido.
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