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“Deus está morto! Nós o matamos!” A famosa frase de Friedrich Nietzsche aparece pela primeira vez em A Gaia Ciência, obra de 130 anos atrás, e provocou enorme rebuliço, sobretudo na Europa. Por vezes incompreendido, Nietzsche gritava que a crença em Deus e a religião estavam morrendo, logo não serviam mais para responder à pergunta “que devo fazer?” – no fundo, a principal questão moral.

Durante 20 séculos de prevalência de Ocidente cristão, era Deus, por seus mandamentos, sua igreja, seus sacerdotes, seus ritos e suas leis, que respondia à questão “que devo fazer?”. A religião, por incluir uma moral, coloca esta em segundo plano. Os dez mandamentos não são outra coisa senão um código de conduta; logo, em seu âmbito de abrangência, eles contêm a moral.

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O anúncio da morte social de Deus por Nietzsche leva o próprio filósofo a se perguntar: “E agora? Como nos consolar, a nós assassinos entre os assassinos?”. Isto é, como ter uma moral sem Deus que responda à questão “que devo fazer?”. Com Deus morto (pelo menos para quem nele não crê) e sem uma religião que oriente nossa conduta, a moral retorna ao primeiro plano para dizer o que devemos fazer e o que devemos não fazer.

Esperar que as leis e as prisões bastem para conter o mal tem se mostrado frustrante

O desafio existencial, colocam os filósofos, é que, sem Deus e sem religião, uma segunda questão se impõe: “Por que ser moral?”. E a humanidade se vê diante do perigo estampado no personagem de Dostoiévski, para quem “se Deus não existe, tudo é permitido”. Em fato, quanto mais Deus e a moral sejam insuficientes para frear o mal e as condutas incorretas, tanto mais precisamos das leis e dos códigos penais.

O filósofo André Comte-Sponville externa sua inquietação de que essa morte social de Deus seja ao mesmo tempo a morte do espírito – como diz ele, o desaparecimento, pelo menos no Ocidente, de toda vida espiritual digna desse nome. E a tal ponto que, com o esvaziamento das igrejas, só saibamos preencher nossos domingos com o shopping center.

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Com a morte de Deus, o abandono da religião e o arrefecimento da moral, caímos no perigo de, se a moral não for trazida ao primeiro plano, ter somente a oferecer aos jovens o shopping center, o consumo e a ausência de qualquer espiritualidade. Nesse caso, toda esperança de frear as condutas incorretas repousará no Código Penal, que tem se revelado apenas parcialmente eficaz no combate ao mal.

O shopping center, por sua vez, não substitui a igreja, nem é essa sua função. Para aqueles a quem Deus está morto, impõe-se o retorno da moral ao primeiro plano da conduta e da razão da vida. Mas a moral e o Código Penal não bastam, e só parcialmente conseguem frear o mal, como prova o grande número de pessoas que trilham o caminho do crime e das condutas incorretas.

Essas considerações me ocorrem em face da escalada vertiginosa dos crimes de corrupção atualmente verificados e da facilidade com que a sociedade brasileira mata. Para a parte da população que comete crimes, Deus não responde mais à função de frear as condutas ilícitas, como também a moral, talvez mesmo pela “morte de Deus”, não basta para conter o mal e os crimes. E esperar que as leis e as prisões bastem para conter o mal tem se mostrado frustrante.

Sem Deus e sem religião, e com a insuficiência da moral e das leis para reduzir o crime e o mal, cabe indagar que saída nos resta. Retornarei ao tema, para falar da necessidade de desenvolver a inteligência espiritual, aquela que dá a cada um de nós a capacidade de estabelecer, para nossa vida, valores e sentido.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.