Desde 1985, quando o país voltou a ter eleições em todos os níveis – acabando com os então chamados “biônicos”, nomeados pelo governo ou colégio eleitoral –, 1.569 brasileiros foram mortos por razões políticas. O levantamento é do jornal O Estado de S.Paulo, que revela só nesse ano já terem morrido 76 pessoas, sendo 16 delas pré-candidatos a vereador e dois a prefeito. O número de vítimas – que foi de 13 em 1985, disparou para 82 em 2008, 94 em 2012 e 100 em 2018 – também poderá bater nos três dígitos este ano. A eleição, historicamente abordada como uma festa cívica, está se tornando algo mortal. Isso sem dizer de outros crimes ocorridos fora do período eleitoral, mas que vitimaram prefeitos, vereadores e outros políticos.
Fazer política neste país está cada dia mais perigoso. A polarização, que aumenta ano após ano, reduz a tolerância entre os adversários e favorece a pratica de crimes que podem ter por objetivo a eliminação de testemunhas para o acobertamento de ilícitos, ou pura e simplesmente limpar o caminho eleitoral dos mandantes. É um problema que, queiram ou não os analistas e operadores do meio, coloca em xeque a própria democracia. Provavelmente, além dos mortos, também existam pré-candidatos ou mesmo candidatos já lançados que, ameaçados de morte e outras atrocidades com eles próprios ou seus familiares, deixam de concorrer, o que configura uma flagrante violação à liberdade e aos princípios democráticos. É inaceitável indivíduos morrerem prematuramente pelo fato de se interessarem por política e não saberem que com isso poderiam perecer por ordem de truculentos adversários.
Em vez de criar situações especiais e de valor discutível – como a reserva de vagas e verba de campanha para grupos ditos minoritários como as mulheres, os negros e outros –, os congressistas e estudiosos do processo eleitoral fariam melhor se buscassem meios de pacificação ou maior fiscalização de procedimentos para evitar a violência. Cada militante morto é um prejuízo, pois normalmente é uma figura interessada que, em maior ou menor intensidade, deveria trabalhar pela ação política na sociedade.
Dentro desse contexto, seria também interessante a busca de mecanismos que impedissem a participação de candidaturas sabidamente custeadas e representantes do crime organizado. A Justiça Eleitoral, como promotora do pleito, da mesma forma que exige a regularidade documental dos candidatos, deveria também determinar a investigação das ligações de muitos deles que, de tão explícitas que são, os leva à qualificação de “representantes” dessa ou daquela facção criminosa. O poder paralelo, embora exista, é ilegal e não pode nem deve ter assento nas instituições públicas.
As eleições precisam ser preservadas em sua essência, que é a escolha dos postulantes com a preferência do maior número de eleitores. Quando há um rio de sangue correndo em paralelo, algo precisa ser feito para impedir a mortificina.
Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da PM paulista e dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil).