Acossado pela investigação da Rússia, traído pelo próprio gabinete, com a ameaça de um desastre nas eleições intermediárias e a indicação mais que problemática do juiz Brett Kavanaugh, Donald Trump chegou esta semana a Nova York distraído e sitiado. À primeira vista, sua segunda participação na Assembleia Geral da ONU pode até ter parecido mais da mesma fanfarronice autocomplacente, do isolacionismo nacionalista e da genuflexão rotineira perante o altar da soberania, exatamente como no ano passado. Só que, desta vez, os norte-americanos ainda sofreram a humilhação de ver o mundo cair na gargalhada, rindo de seu presidente, cuja bravata não mais causa choque, mas convida à zombaria.
Dada essa reação, é fácil concluir que sua visita se limitou a uma sequência de reuniões e mensagens confusas; os observadores mais cuidadosos, porém, não ignoraram o verdadeiro objetivo do presidente na ONU, muito mais tenebroso.
Em quatro frentes políticas vitais, Trump deixou clara sua intenção de ignorar nossas maiores ameaças e insuflar novos conflitos onde não são aconselháveis nem necessários. Mais reveladores que seu discurso ideológico fanático à Assembleia Geral foram os comentários substanciais do presidente antes do Conselho de Segurança, em 26 de setembro. E, a essa altura, temos todas as razões para concluir que Trump geralmente quer dizer exatamente o que fala e (eventualmente) cumpre a maior parte de suas intimidações.
A essa altura, temos todas as razões para concluir que Trump geralmente quer dizer exatamente o que fala
Primeiro: ele reforçou sua determinação em exonerar a Rússia e minimizar a séria ameaça que ela representa para nós e nossos aliados. Em uma sessão do Conselho de Segurança dedicada à prevenção da proliferação de armas químicas, biológicas e nucleares, Trump simplesmente ignorou o ataque recente com um agente nervoso mortal que deixou quatro pessoas gravemente doentes no Reino Unido e pode ter matado uma quinta. Além disso, se negou a apontar o país como violador principal das sanções da ONU contra a Coreia do Norte e não condenou os russos pelas repetidas mentiras, na tentativa de acobertar o uso de armas químicas na Síria.
Nem uma única vez, em uma visita cujo tema principal foi a soberania norte-americana, o presidente mencionou a interferência extraordinária e contínua russa no nosso processo democrático. Por razões que só esperamos que se tornem claras em breve, Trump continua determinado a bajular nosso adversário mais perigoso em detrimento cada vez maior de nossa segurança nacional.
Segundo: Trump insistiu em fomentar a falsa impressão de que solucionou a séria ameaça da Coreia do Norte com eficiência. Sem dúvida, a redução das tensões entre as Coreias e o diálogo do presidente com Kim Jong Un, o líder norte-coreano, são preferíveis a “fogo e fúria” – e embora a moratória do Norte para os mísseis e testes nucleares seja um primeiro passo mais que necessário, não estamos mais próximos da desnuclearização completa, verificável e irreversível da Coreia do Norte hoje do que esta mesma época do ano passado.
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De fato, enquanto Trump elogia a coragem de Kim e declara seu carinho pelo mais novo amigo, um ditador assassino, o Norte vem causando conflitos entre os EUA e seus aliados regionais enquanto ganha tempo com um governo em Washington que também parece bem satisfeito em deixar o tempo passar, contanto que mantenha a ilusão de progresso.
Terceiro: Trump conseguiu agravar a crise com a China, que agora envolve não mais só o aspecto econômico, mas também político e de segurança. Sem oferecer uma única prova sequer, acusou os chineses de tentar interferir nas eleições intermediárias de 2018 “contra a minha administração”. E completou: “Não querem que eu ganhe porque sou o primeiro presidente a desafiá-los em termos comerciais.”
É uma acusação chocante cujo objetivo é colocar os chineses no mesmo patamar que os russos, cuja ingerência eleitoral não foi mencionada por Trump, e insuflar a hostilidade contra aquele país dentro da base republicana, criando assim uma desculpa, caso o partido não consiga manter a prevalência na Câmara e até no Senado. O governo atual parece não só fazer questão de subestimar a China como achar que ela estaria disposta a aceitar calada tamanho vilipêndio público. De qualquer maneira, o risco de a guerra comercial se transformar em um conflito econômico maior ou algo mais ameaçador cresceu consideravelmente esta semana.
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Por fim, o presidente reiterou a plenos pulmões sua decisão de arrasar o Irã economicamente, sinalizando que pode fazê-lo também militarmente. Em maio, sob o pretexto desonesto de impedir os iranianos de adquirir armas nucleares, Trump se retirou do “acordo horroroso de 2015”, que garantia exatamente isso. Esta semana, prometeu aumentar as sanções contra o país, alertando que “qualquer indivíduo ou entidade que não cumpra com as sanções enfrentará sérias consequências”.
O assessor de segurança nacional, John Bolton, pôs lenha na fogueira, atirando diretamente contra nossos aliados: “Não temos intenção nenhuma de permitir que nossas sanções sejam desrespeitadas pela Europa ou qualquer outro país.” E completou, falando diretamente ao Irã: “Se nos contrariarem, ou a um dos nossos aliados, ou parceiros; se machucarem um de nossos cidadãos; se continuarem a mentir, enganar e dissimular, sim, sem dúvida, enfrentarão o inferno na terra. Estamos de olho e iremos atrás de vocês.”
Se Trump decidir que precisa de uma distração maior do que aquela que consegue gerar no Twitter, então essa verborragia amplificada pode muito bem ser presságio de perspectiva de guerra no Golfo Pérsico.
A presença de Trump na ONU esta semana colocou os EUA em um caminho ainda mais perigoso, procurando conflito com países poderosos que não estão interessados em desavença e ignorando ameaças insistentes de adversários históricos com disposição e capacidade de nos causar grandes danos. Nestes tempos problemáticos, para cima quer dizer para baixo, preto é branco e os EUA se veem como uma nação isolada, inconsequente e ridicularizada, entre todos os países do mundo.
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