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Seleção Brasileira Paralímpica de Taekwondo
Seleção Brasileira Paralímpica de Taekwondo| Foto: Divulgação

Uma das maiores ferramentas de transformação social e educacional que temos é o esporte. Não há escola melhor para a construção de valores e de disciplina. O esporte é um dos poucos lugares em que o reconhecimento é fruto da meritocracia, não tendo importância a classe social ou etnia do atleta. No esporte aprendemos que devemos ter disciplina para correr atrás dos nossos objetivos e que somos responsáveis tanto pelas nossas conquistas quanto pelos fracassos. E também aprendemos que a cada derrota devemos treinar mais e melhorar para que a frustração se transforme na alegria de uma futura vitória.

A disciplina é indispensável, tanto no trabalho, quanto na nossa vida pessoal. Na Coréia do Sul, por exemplo, a disciplina é considerada um dos principais requisitos pessoais na hora de preencher vagas de trabalho. Quando as grandes empresas e corporações vão selecionar futuros profissionais, um ex-atleta tem vantagem para conseguir o emprego, justamente porque se sabe que ele já possui essa qualidade.

O esporte é um verdadeiro investimento. Quando um pai matricula o filho em uma atividade esportiva, não está apenas ajudando-o a exercitar a parte física, mas também a desenvolver valores que vão muito além disso. Por isso, para mim, todas as  as crianças e adolescentes deveriam subir em um tatame, pular em uma piscina, entrar em uma quadra e participar de uma competição. Não com o objetivo de se tornarem atletas, mas, sim, cidadãos.

Em uma competição você lida com seu medo, com o seu nervosismo, com sua insegurança e tem de superar isso, tem de aprender a ter controle emocional. E o melhor lugar para isso é um campeonato. Os norte-americanos sabem muito bem disso, pois a cultura esportiva nos EUA é muito forte. É normal você ver os pais levarem seus filhos em competição de bairro, de escolas e em várias modalidades esportivas. Eles sabem que isso é um investimento para a formação dos filhos. Mesmo o sistema de ensino norte-americano é voltado para isso.

É um sistema dos sonhos e que está longe da nossa realidade. Embora acredite que não possamos simplesmente copiá-lo – isso demandaria mudanças tão profundas no nosso sistema de educação que talvez simplesmente não tenhamos condições de fazê-lo – podemos e devemos nos inspirar na cultura esportiva americana. Isso é possível, desde que tenhamos o apoio do poder público, dos meios de comunicação e da sociedade.

Os esportes, com exceção do futebol, devem ter maior visibilidade nos meios de comunicação. Acabei de voltar da primeira edição do Grand Prix de Parataekwondo, na Bulgária, que reuniu os melhores atletas do mundo e ficamos no top 3 por equipes. Nos últimos grandes eventos da modalidade (Jogos Paralímpicos, Mundial e Grand Prix), o Brasil foi o único país a estar no top 3 por equipe nestes três campeonatos. Também somos o atual campeão paralímpico, temos o melhor atleta masculino da modalidade, e eu fui eleito o melhor técnico de parataekwondo do mundo em 2021. Mas quem sabe disso? Somente os praticantes da modalidade.

Não temos espaço na maior parte dos veículos de comunicação porque há uma “monocultura do futebol” na imprensa. O Brasil é expoente em diversas modalidades esportivas. Um exemplo é o caso do paradesporto brasileiro, que é sucesso no mundo todo. Temos o terceiro maior centro de treinamento do mundo e ninguém sabe. Mas quando se trata de futebol, muitos sabem quem é o cabeleireiro do goleiro do seu time ou viram a tatuagem feita pelo torcedor em comemoração a um título conquistado.

Conteúdos como esses são comuns na mídia e, sinceramente, não importam a quem se interessa por esportes e muito menos contribuem para a valorização de uma cultura esportiva no Brasil. Esse espaço poderia ser melhor usado na divulgação das demais modalidades esportivas que não têm espaço e que poderiam usar esse momento para se apresentar ao público. Assim, talvez teríamos mais forças para buscar apoio no setor privado, e mais crianças teriam conhecimento e incentivo para praticar diferentes esportes. Quantas crianças com amputação ou dismelia de membros superiores teriam interesse em praticar o parataekwondo se tivessem visto a vitória da equipe brasileira em Tóquio e soubessem que os melhores atletas do mundo da modalidade estão no Brasil?

Do poder público, contamos com os programas Bolsa Atleta e Lei de Incentivo ao Esporte do governo federal; do Proesporte e da Geração Olímpica e Paralímpica do governo do estado do Paraná; e da Lei de Incentivo ao Esporte de Curitiba do governo municipal. Esses são programas que quem mora em Curitiba podem ter acesso. Mas temos estados como o Rio de Janeiro em que não há nenhum investimento em políticas públicas ou programas voltado ao esporte. Há uma discrepância de investimentos no nosso país.

Se andássemos juntos, os investimentos públicos, mais o apoio da mídia e com os talentos que o Brasil tem para o esporte, com certeza seríamos potência mundial. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada U$ 1 investido no esporte o país economiza U$ 3 na saúde, além do benefício que teremos em longo prazo na educação e segurança. O impacto seria enorme na sociedade.

Investir no esporte e criar uma cultura esportiva na sociedade deve fazer parte da política pública em todo país. Nós, como profissionais do esporte, devemos sempre lutar por isso. Essa seria a melhor contrapartida e legado que podemos deixar com nossas conquistas.

Rodrigo Ferla é técnico da Seleção Brasileira Paralímpica de Taekwondo.

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