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A neura do laicismo na UFPR

Fundada em 1958, a Capela da Reitoria da UFPR foi inteiramente reformada e reinaugurada no último dia 7 de agosto. Volta a oferecer à comunidade acadêmica as missas (toda terça-feira, às 12h30), cultos ecumênicos, grupos de oração e apresentações culturais, especialmente do coro Madrigal da UFPR. Dedicada a Nossa Senhora do Carmo, a capela tem 42 metros de vitral colorido, minuciosamente restaurado.

Pensa-se, de início, que a capela, em um espaço laico, é concessão vantajosa a uma pequena confraria; no entanto, é uma herança deixada à instituição pelos construtores do complexo da Reitoria, que viram na religião não uma inimiga, mas uma aliada no ideal acadêmico de buscar a verdade. Os que se enfileiram, comumente atrasados para as aulas, na espera dos elevadores no térreo do Edifício Dom Pedro I, não observam nas placas de homenagens os nomes de oito religiosos, padres e um bispo, que fundaram as cátedras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFPR.

Uma paródia da missa católica, celebrada na França no inverno de 1793, o "Culto à Razão", pretendia manifestar o triunfo definitivo da razão iluminada sobre a fé obscurantista que, finalmente, fora extirpada na guilhotina, junto com seus sacerdotes. Nascia dali um novo Estado, livre da "repressão doutrinária da Igreja". Templos foram destruídos porque significavam uma crendice tola já superada. Reverenciar a razão se tornou sinônimo de esclarecimento e liberdade, enquanto a religiosidade estava ligada à superstição e ao fanatismo, legado de um milênio sombrio de ignorância, denominado "Idade das Trevas".

Desde então, essa ideia de incompatibilidade entre fé e reflexão crítica fez alguns acreditarem que a universidade, âmbito de pesquisa, exige uma libertação decisiva das amarras das persuasões religiosas para se dispor a uma nova forma de culto à razão, que oficializa o racionalismo como instrumento único de conhecimento.

Por isso, há os que se incomodem com todo tipo de expressão pessoal de devoção e, ainda mais, com um espaço propriamente religioso dentro da universidade – como se uma capela em um prédio da UFPR atrapalhasse o bom rendimento das atividades técnico­científicas.

De quem é a superstição? O que querem os novos iluministas? Que se destrua a capela como se tentou fazer com a Notre Dame de Paris naquele fim de século 18? A Capela da Reitoria é também patrimônio histórico tombado – comunique-se aos desavisados defensores do laicismo, pois foi o próprio Estado laico que a instituiu sob sua tutela jurídica, reconhecendo seu valor cultural; além disso, o acordo entre Brasil e Santa Sé, firmado em 2008, ordena em seu artigo 7.º "as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias".

Por laicidade entendemos a separação de Igreja e Estado em seus âmbitos administrativos institucionais. Só que o que a paranoia laicista pretende mesmo é fazer desaparecer todo rastro histórico deixado pela religião. Entretanto, se temos de extinguir a Capela da Reitoria porque "a universidade é laica", deveríamos extinguir a própria universidade, sistema de ensino criado... pela Igreja Católica.

Khae Lhucas Ferreira Pereira é graduando em Filosofia na UFPR.

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