Por 28 anos vivi a polícia sob o gerenciamento do PSDB. A característica do partido se refletiu em sua relação com o combate ao crime. Por muito tempo se mostraram completamente perdidos, sem contar que a mídia sempre estava pronta a destruir a imagem das polícias, indiferentes se agiam certo ou não. Os anseios utópicos da turma ideológica acabaram esmagados pela bigorna da realidade, e optou-se por trabalhar mais a imagem do que a ação.
Quanto aos policiais, eles sabem que é questão de sobrevivência. Combater o crime não é uma escolha, pois são as primeiras vítimas da violência. O tempo de números positivos se deve a esses policiais de rua e a seus comandantes que não dependiam do governo para cumprirem sua missão da melhor forma possível. Vimos o embrião chamado PCC crescer, amadurecer e se tornar a quadrilha mais organizada e perigosa da América do Sul. Chegaram em um breve momento a alardear que a quadrilha havia sido extinta. Pura ilusão. Outra trombada na bigorna da realidade.
Ainda que o governo estadual não tenha amplos poderes, como por exemplo, sobre a legislação penal, pode fazer muito.
A vitória de Tarcísio Gomes de Freitas coloca fim na hegemonia do PSDB no governo do estado de São Paulo, e com ele outra proposta de atuação na segurança pública, fato esse que pesou positivamente em seus votos. A escolha de Tarcísio para secretário foi inusitada, uma verdadeira quebra de paradigma. Escolheu o capitão Derrite, então reeleito como deputado federal. Nunca alguém tão próximo das bases da polícia havia sido escolhido. Somente esse fato foi um claro recado aos criminosos: melhor mudarem de estado ou de profissão.
Os críticos ficaram de cabelos em pé, devido à imagem que ainda impera do então tenente Derrite, por sua atuação na famigerada ROTA. Taí uma bela referência, mas Guilherme Derrite tem uma história além dessa, bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Constitucional, serviu também no Corpo de Bombeiros e conseguiu importantes vitórias legislativas em seu primeiro mandato como deputado federal, entre elas, foi relator da lei que extingue as terríveis saídas temporárias de presos, que falta ainda passar pelo Senado.
Durante as eleições, Derrite juntou um time de especialistas em segurança pública para a elaboração do plano de governo na área. Essa escolha foi muito diferente do que estávamos acostumados, sempre com mais preocupação na narrativa social e ideológica progressista. Os especialistas escolhidos pelo deputado tinham atuado diretamente na área operacional durante a sua carreira e se especializaram em pontos específicos no estudo do crime, com bases científicas e empíricas sólidas e verdadeiras, descartando ideias nunca testadas que servem apenas para agradar a uma parcela da sociedade. O objetivo era simples e único: soluções reais e aplicáveis para a redução dos índices criminais e proteção do cidadão.
O programa prioriza a integração não só entre as polícias civis e militares, como também com as guardas municipais, bem como o Poder Judiciário, o governo federal, agências de controle portuário e aeroportuário. O programa, de pronto, já materializa essa integração com sistemas tecnológicos, como o sistema CÓRTEX desenvolvido pelo governo federal, e a proposta da implementação do Sistema de Registro Único de Ocorrências.
Entre outras medidas previstas estão a transparência e a publicidade dos dados criminais, incluindo o desfecho das ações penais e processados soltos; banco de dados de violência doméstica; monitoramento eletrônico de presos em regimes que permitam sua saída; isolamento de líderes de facções criminosas; investimento em inteligência; valorização dos policiais; incremento na gestão prisional; combate efetivo e inegociável ao crime organizado; entre outras.
O então candidato Tarcísio, durante a campanha, colocou o dedo na ferida ao dizer que “São Paulo fez um pacto com o crime organizado: de não combatê-lo”. Tarcísio Gomes de Freitas foi o único candidato ao governo de São Paulo, ao menos pelo que eu me lembro, que foi assim tão direto no assunto, e deixou claro sua intenção de combater o PCC. Ele completou acertadamente seu argumento, dizendo que há efeitos colaterais nesse combate, como o enfrentamento a policiais, incêndio de ônibus, assalto a bancos , mas deixar de combater, aceitar a sensação falsa de normalidade enquanto o crime se fortalece e seus tentáculos atingem todas as instituições, é adiar um problema que poderá ser de segurança nacional.
Quanto ao novo secretário da Segurança Pública, ele está ciente de seu grande desafio, dos inimigos que não serão apenas criminosos, mas, sim, oposição política, invejosos e parte considerável da mídia. Ouvi o secretário Derrite citar diversas vezes o Nobel de economia Gery Becker, sobre a sua Teoria Econômica do Crime. Cita também a Teoria das Janelas Quebradas, que inspirou o muito falado (mas pouco conhecido a fundo) programa Tolerância Zero, aplicado durante o governo de Rudolph Giuliani ao tempo em que era prefeito de Nova York, conseguindo uma incomparável redução da criminalidade. Por mais que esses estudos tenham sido comprovados na prática, deixam arrepiados qualquer sociólogo ou progressista que se aventure na área.
Derrite tem experiência prática e teórica, como também sabe que a solução é aumentar o custo do crime. Ainda que o governo estadual não tenha amplos poderes, como por exemplo, sobre a legislação penal, pode fazer muito. Não vai fazer o criminoso mudar de profissão, contudo pode dificultar ou impossibilitar suas ações, fechando o cerco, deixando-o desconfortável e inseguro, perseguindo-o, punindo-o e o monitorando.
Por fim, posso dizer que acredito muito no empenho do novo governador e do secretário de Segurança Pública, bem como de sua competente equipe. Também posso contar que fui um dos que fizeram parte do grupo enquanto as ideias estavam se estruturando, aprendi (e aprendo) muito com eles, tenho orgulho e admiração, e pude dar um pouquinho de minha colaboração com algumas propostas na época.
Davidson Abreu, oficial da Polícia Militar de São Paulo, é analista de Segurança Pública, bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas, e autor do livro “Tolerância Zero”.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião