Em tempos pré-eleitorais, na contramão do que vem defendendo abertamente seu principal opositor, o governo do presidente Jair Bolsonaro publica um novo manual sobre abortamento, editado pelo Ministério da Saúde (MS) e que contém avanços expressivos na defesa da vida da mulher e do feto.
Logo no início da nota técnica, cujo editor geral é o renomado médico Raphael Câmara Medeiros Parente, percebe-se o viés protetivo de suas instruções, indicando as complicações que o abortamento pode causar à mulher, ressaltando que a questão exige uma atenção técnica especializada, integral e humanizada.
Os elementos norteadores da nova cartilha são acolhimento e orientação; atenção clínica seguindo referenciais éticos, legais e bioéticos; orientações pós-abortamento de planejamento familiar (incluindo aí o estímulo àquelas que desejem nova gestação) e inclusão social das mulheres.
Quanto aos aspectos jurídicos, o documento elenca diversos tratados internacionais, entronizados em nosso ordenamento jurídico, que reconhecem o direito à vida como prioridade máxima. Em seu texto, ele especifica toda a legislação nacional em que se fundamenta, trazendo segurança jurídica a seus destinatários. A nota técnica ressalta, sobretudo, a Declaração de Consenso de Genebra, cujo líder, atualmente, é o Brasil, enfatizando a garantia do acesso feminino aos últimos avanços em termos de promoção da saúde, nos campos da sexualidade responsável e do planejamento familiar.
A nota tem a coragem de afirmar, com todas as letras, a verdade que não se pode calar: a prevenção do aborto fortalece famílias e crianças, protegendo a saúde de mulheres e meninas.
Deixando de lado vieses ideológicos costumeiramente encontrados nos documentos que envolvem este delicado assunto, o Ministério da Saúde traz luz ao tema, revelando que o verdadeiro cuidado é aquele que protege a vida da mulher e da criança em seu ventre, em sua integralidade, cobrindo todos os aspectos circunstanciais desta sensibilíssima situação de vulnerabilidade a que estão submetidas estas duas pessoas.
Nesse contexto, o documento faz referência à obrigatoriedade de os profissionais de saúde comunicarem às autoridades a ocorrência de violência contra a mulher, algo que foi erroneamente criticado pelo movimento feminista quando da edição da Portaria 2.561/2020, mas que, à toda evidência, tem por finalidade, justamente, promover a proteção da mulher, vítima deste terrível crime.
Importantes considerações são feitas relacionadas ao consentimento da gestante, cuja manifestação de vontade é preponderante até mesmo sobre a de seus representantes legais, ou seja: ainda que os pais da gestante adolescente quiserem que ela aborte, caso não consinta, prevalece a sua vontade de prosseguir com a gestação.
Outro detalhe que não passa despercebido é o importante esclarecimento da impropriedade de se falar em aborto legal, vez que todo aborto é um crime que somente deixa de ser punido. A cartilha tem o cuidado, inclusive, de tecer considerações acerca das teorias de Direito Penal sobre a estrutura do crime, algo que pareceria ser desnecessário, mas que tem grande importância ao contradizer a errônea ideia de que a “legalidade” do ato importaria numa ação que fosse fomentada pelo Estado brasileiro. No particular, inclusive, há a advertência expressa de que não há obrigatoriedade em se realizar o aborto em nenhum dos três casos autorizados pela lei. Trata-se de uma mera possibilidade que, dentre outras possíveis, devem ser colocadas para a gestante.
A verdade que não se pode calar: a prevenção do aborto fortalece famílias e crianças, protegendo a saúde de mulheres e meninas.
Nesse sentido, inclusive, há uma ressalva importantíssima e que revela a reta intenção dos autores da cartilha: a determinação destinada à equipe multidisciplinar responsável pelo atendimento da vítima de violência sexual que deverá informar sobre a existência do programa de entrega legal ou voluntária, previsto no artigo 19-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Levar a gestação a termo e depois entregar a criança para adoção, além de ser um ato de amor, é muito mais seguro do que se submeter a um procedimento extremamente invasivo e perigoso, tal como é a interrupção da gravidez.
Por outro lado, ao tomarem contato com esse novo regramento, pessoas sensatas iriam se questionar sobre a necessidade de se fazer constar ali a proibição de se fazer aborto por telemedicina, pela simples absurdidade de tal ideia. Entretanto, esse desatino foi proposto e colocado em prática em um Hospital de Uberlândia, com o aval do Ministério Público Federal, tendo sido prontamente repreendidos pelo MS, ANVISA e Conselho Federal de Medicina. Agora, então, joga-se uma pá de cal sobre esta irracionalidade.
Por fim, para não deixar dúvidas da opção política governamental francamente favorável à vida, o Ministério da Saúde relaciona diversos estudos científicos demonstrando que a viabilidade fetal – que é a capacidade de manutenção da vida fora do ambiente uterino – vem diminuindo drasticamente com o avanço da medicina e se encontra, atualmente, em 22 semanas de gestação. Segundo a pasta, o nascimento de um ser humano a partir dessa época é conceituada como parto prematuro e não mais como abortamento. O feto, então, a partir desta idade gestacional, é detentor do direito à vida e, como tal, deve receber assistência conforme sua vulnerabilidade.
Feitas estas breves e elogiosas considerações, pontuo um único defeito da nova norma; este, aliás, irremediável: sua publicação deveria ter se dado no primeiro dia deste governo. Vidas como a da menininha de 10 anos e de seu bebê, naquela triste história ocorrida no Espírito Santo, em 2020, teriam sido salvas por esta cartilha, que deu passos importantes para assegurar a dignidade da vida humana, através da proteção integral da mulher vítima de violência e de nossos bebês.
Danilo de Almeida Martins é defensor público federal em Brasília (DF).
Deixe sua opinião