A partir da chacina de Oslo, em pleno verão europeu, o terrorismo deixa agora de ser categoria geograficamente localizada, com procedência, língua e religião
Há bem pouco de mais um massacre que chocou o mundo, a Noruega enterra seus mortos, ainda atônita pela desmedida violência e pela figura espectral do autor confesso da matança. Com aparência nórdica e de discurso sectário e fanático, Anders Breivik está preso, a desfrutar das garantias democráticas da pacata Noruega, o país rico e seguro que concede "nobéis da paz". Ainda que confinado e sob a vigilância do Estado, o maníaco é persona inconfortável para um stablishment europeu que tem flertado com a xenofobia, bem como para os remanescentes falcões de Washington e da doutrina Rumsfeld, a sobreviver da caça à Al Qaeda, ainda que real ou imaginária.
Desde logo, o olhar escandinavo e doentio do assassino declarado de quase centena de pessoas põe em cheque o preconceituoso estigma do terorista islâmico, do homem bardudo, andrajoso e de tez morena, fortemente incutida após os atentados de Manhattan, em 11 de setembro de 2001. Foi, aliás, o estigma que bastou para recondicionar os modos da Scotland Yard, transformando-a em polícia descerabrada, ao matar por engano o brasileiro Jean Charles de Menezes, executado a queima-roupa no metro de Londres, apenas por "aparentar ser o que não era".
A partir da chacina de Oslo, em pleno verão europeu, o terrorismo deixa agora de ser categoria geograficamente localizada, com procedência, língua e religião, para transformar-se em possível atitude de generalizada violência. Violência radical contra os diferentes porque imigrantes, ou amigos dos imigrantes, em nova forma de terrorismo contra o terrorismo presumido, cujas consequência podem ser desde logo desdobradas em escalada incontrolável da insensatez. A propósito da questão do estrangeiro, a política europeia tem albergado extremismos xenófobos notórios, como reação à abertura à imigração extracomunitária, mais como necessidade econômica do que como benevolência ou solidariedade. A visita a qualquer capital europeia mostra hoje a ostensiva realidade dos guetos de novos pobres, de estrangeiros clandestinos, no continente que se quer sem fronteiras, mas apenas quando convém. E parece claro que esse bazar de etnias e de paladares em que se vem transformado a Europa conflita com a ideia de província ideal dos adoradores de raças, inconformados com o mundo mais sincrético, multicultural e diversificado que se vai constituindo. Mundo que haverá de ser, por força de distintos convívios, mais tolerante e plural.
Se, de fato, os atentados às Torres Gêmeas marcaram mudanças de paradigmas na luta internacional contra o terrorismo, a alterar comportamentos e a instaurar o medo coletivo, sua mais deplorável consequência foi reavivar a ideia do choque de civilizações, na consagrada expressão de Samuel Huntington, a opor o Ocidente cristão ao Oriente islamizado. Quanto às ações de violência, no entanto, resta lembrar que mesmo na história recente, atentados terroristas de ocidentais contra seu próprio ocidente e contra cristãos não são novidade. A começar pelo atentado de Oklahoma, nos Estados Unidos, que em 1995, bem antes do 11 de Setembro, causou o dobro de vítimas em relação às que se verificaram agora na Noruega, tão somente pela ação do fanatismo fundamentalista e de cunho religioso made in America. E o terrorista, depois executado pela Justiça dos Estados Unidos, Timothy MacVerth, ex- mariner, era filho mais do que puro da profunda América e de seus exclusivos dilemas.
As primeiras vítimas do atentado em Oslo que foram sepultadas com honras de Estado e com o preito emocionado da nação norueguesa eram dois adolescentes muçulmanos mortos na Ilha de Utoya. Em cerimônia carregada de grande valor simbológico, como resposta à ira sectária do homicida feroz, o primeiro-ministro Stoltenberg foi à cerimônia fúnebre na Mesquita central de Oslo para afirmar: "Bano era norueguesa, Ismail era norueguês, eu sou norueguês, nós somos a Noruega e temos orgulho deles".
Jorge Fontoura, doutor em Direito Internacional, é professor titular do Instituto Rio Branco e presidente do Tribunal Permanente do Mercosul.
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