Um dos princípios básicos do urbanismo contemporâneo no Brasil, a gestão democrática das cidades, estabelecida pelo Estatuto das Cidades em 2001, tem como um de seus objetivos aproximar o cidadão e as entidades representativas da sociedade do processo legislativo, incentivando que estes contribuam com suas ideias e experiências para uma comunidade mais justa e harmônica.
Curitiba, como inúmeras cidades no país, vive neste momento o processo de revisão de sua Lei de Uso e Ocupação do Solo, instrumento da maior importância para a vida de todos os cidadãos, já que regulamenta desde os grandes parâmetros urbanísticos )como o potencial construtivo e taxas de ocupação dos terrenos) até pequenas particularidades, como a largura da entrada de uma loja, a altura máxima do telhado das casas e até mesmo a largura de seu beiral.
A lei ainda vigente, elaborada com grande competência pelos técnicos da prefeitura e de nosso Legislativo nos idos do ano 2000, carece de uma atualização que responda, de um lado, ao importante monitoramento urbanístico da cidade e, de outro, às necessidades e anseios atuais e dinâmicos de nossos munícipes.
Nossa capital cresceu com o urbanismo. Praticamente todo curitibano tem opiniões sobre este apaixonante tema
Soma-se a esta equação mais uma grande variável que aflige a todos – indivíduos, famílias, empresas e cidade: a latente falta de recursos para fazer frente aos compromissos assumidos. Por si só, a sustentabilidade econômica, além das questões ambientais e de desenho urbano, deveria ser uma das premissas de qualquer plano urbanístico, viabilizando a geração de empregos e renda para os cidadãos e arrecadação de tributos para a municipalidade.
Somente através da dinamização de nossa economia teremos resultado positivo nesta equação, reduzindo os crescentes índices de criminalidade, construindo novas oportunidades para todos, viabilizando moradia, saúde, educação e serviços de qualidade para nossa comunidade.
Nossa capital, que teve o privilégio de ver criado em 1965 o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), órgão responsável pelo planejamento urbano que transformou nossa cidade em referência mundial, cresceu com o tema do urbanismo em pauta. Praticamente todo curitibano tem opiniões sobre esta apaixonante disciplina. Mas são os arquitetos e urbanistas que exercitam com mais intensidade a legislação urbana, enfrentando os desafios e assumindo as responsabilidades de aplicar em completa conformidade todos os dispositivos nela prevista, atendendo e formalizando as demandas de nossa sociedade, trabalhando ora como criadores, ora como técnicos, ora como advogados.
Desde que foi divulgado o projeto de Lei de Uso e Ocupação do Solo pela gestão Gustavo Fruet, em intenso processo de revisão pela atual gestão, arquitetos da cidade têm dedicado centenas de horas de trabalho para estudar e discutir sua forma e seus conteúdos, medindo seus impactos, identificando dispositivos que poderiam ser aperfeiçoados, incluídos ou mesmo retirados da nova lei. Com sua formação e conhecimento da matéria, além do enorme acervo de experiências acumuladas em diferentes cidades do país, cumprem neste momento seu compromisso de cunho profissional e social de oferecer informações e contribuir na revisão de nossa mais importante lei urbanística, tarefa árdua e voluntária que não pode ser confundida como subserviente ao interesse de seus clientes.
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Essa discussão foi em muito ampliada quando entidades do comércio, indústria e construção, atendendo ao chamamento democrático e cumprindo sua missão de representar e informar seus milhares de associados, buscaram apoio da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (Asbea) para conhecer e debater a nova legislação, priorizando a ética e agindo com total isenção quanto a interesses individuais ou corporativos, com o objetivo único de contribuir propositivamente na construção de uma legislação moderna que resulte numa cidade mais justa e equilibrada.
Em conjunto com economistas, advogados, engenheiros e arquitetos, produziram e encaminharam ao prefeito e ao Ippuc mais de uma centena de propostas que incluem temas tão diversos quanto a redução do déficit de habitação de interesse social e política de densidades, redução da burocracia que emperra iniciativas de nossos cidadãos, revitalização do Centro, aproximação de serviços e comércio de moradias, reduzindo deslocamentos ou, ainda, o cuidado com a criação de encargos que oneram setores geradores de emprego – tentação persistente de nossos governos –, mas cujo resultado pode ser inverso, com diminuição de arrecadação pela redução da atividade.
Representando setores onde a informalidade não encontra espaço, as entidades lutam pelo aperfeiçoamento de nossa legislação e pelo estabelecimento completo das regras que regulam o dia a dia de seus associados, conferindo-lhes indispensável segurança jurídica.
A gestão democrática – premissa da nova lei – numa sociedade madura e complexa como a nossa pressupõe respeito e debate de ideias, além de muita capacidade para compatibilizar e harmonizar todas as facetas da vida em nossa cidade, dispensando qualquer resquício autoritário. É grande o desafio para nossos legisladores, que, além de implementar suas convicções, precisam acolher, estudar e absorver contribuições desprendendo-se de pré-conceitos, olhando a cidade pelos olhos de todos, dando espaço para que o criador crie, o trabalhador encontre emprego, o empreendedor empreenda e nossa cidade encontre seu equilíbrio para continuar sendo referência em urbanismo.