Nós, seres humanos, somos massivamente ensinados sobre os principais aspectos relacionados à água e sua importância para a nossa vida na Terra. Além de cobrir mais de 70% da superfície do planeta, por meio de rios, lagos e oceanos, a água é um elemento fundamental para a vitalidade do nosso metabolismo interno e para a realização de atividades diárias como tomar banho, escovar os dentes e lavar as mãos, entre tantas outras.
Por outro lado, ainda que nem sempre evidente, nós também podemos influenciar direta ou indiretamente no ciclo da água, por meio, por exemplo, de práticas de desmatamento de florestas, que diminuem a evapotranspiração das plantas e afetam significativamente o regime de chuvas. Embora todo esse cenário seja senso comum para a maior parte da população, com o advento da pandemia do coronavírus a relação do ser humano com os recursos hídricos tornou-se ainda mais vívida.
O pacote de recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para minimizar a contaminação e disseminação da Covid-19 reforçou a necessidade de redobrar os cuidados pessoais, explicitando a importância de higienizar frequentemente as mãos com água e sabão ou álcool em gel. Ainda que estas práticas devessem ser corriqueiras, o que se percebe na realidade é que foi preciso chegarmos a um panorama extremo para percebermos o que há muito tempo não se dava tanta importância: a necessidade de se ter hábitos de higiene como garantia de saúde.
Essas ações soam simples e quase que naturais quando se considera uma comunidade provida de recursos básicos, como saúde, segurança e infraestruturas urbanas. No entanto, como garantir o cumprimento mínimo desses cuidados em um país como o Brasil, onde muitas regiões ainda têm carência de acesso à água tratada e saneamento básico?
Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, em 2018 quase 35 milhões de brasileiros não tinham acesso à água tratada e quase 100 milhões não tinham acesso à coleta de esgoto. Foi só nesse mesmo ano que o acesso à água potável foi incluído, por meio da Emenda Constitucional 4, como um dos direitos e garantias fundamentais à sociedade. Esse cenário evidencia que o Brasil ainda engatinha rumo ao cumprimento do sexto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU): assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos até 2030.
O investimento nessas duas frentes de infraestrutura garante menor taxa de contração de doenças de veiculação hídrica como disenteria, giardíase, amebíase, gastroenterite, leptospirose, cólera, febre tifoide, diminuindo a quantidade de pessoas internadas em hospitais, além de atuar como condição de higiene adequada para prevenção de outros males, como o coronavírus. Os dados do Instituto Trata Brasil indicam que os dez municípios com melhor ranking de saneamento têm três vezes menos internações por doenças diarreicas, quatro vezes menos internações por dengue e quase cinco vezes menos internações por leptospirose, comparativamente aos dez municípios com piores coberturas de saneamento.
Em termos de retornos econômicos, estudos da OMS indicam que, a cada US$ 1 investido em saneamento, há economia de US$ 4,3 em saúde pública e o Produto Interno Bruto (PIB) global cresce em 1,5%.
O despejo de esgoto a céu aberto coloca em xeque outras questões fundamentais para condições de vida e bem-estar. Isso porque, além de comprometer a paisagem, este tipo de poluição torna esses locais menos atrativos e menos frequentados, desvalorizando o turismo e afetando significativamente o desenvolvimento econômico. Ou seja, o investimento no quarteto de serviços que compreendem o saneamento básico – distribuição de água potável, coleta e tratamento de esgoto, drenagem urbana e coleta de resíduos sólidos – é a chave para o futuro socioeconômico de determinada região.
Embora a Lei Federal 11.445 estabeleça, desde 2007, as diretrizes nacionais para o saneamento básico e também a necessidade eminente de articulação da prestação dos serviços de saneamento básico com políticas de promoção da saúde pública, de gestão de recursos hídricos, de habitação e quaisquer outros que sejam de interesse social, o caminho brasileiro para transformar esse arranjo jurídico-legal em realidade parece ser ainda muito longo. O Instituto Trata Brasil estima a necessidade de investimento de R$ 317 bilhões nos próximos 20 anos para universalizar o saneamento básico.
Se esse desafio já era grande, em 2020, com a pandemia da Covid-19 e casos de redução da frequência e intensidade de chuvas em várias regiões do país, ele ficou ainda maior. Para isso, é essencial a integração dos diferentes atores da sociedade em direção à solução desse problema: a inovação científica do setor acadêmico, a responsabilidade socioambiental das empresas privadas, as reivindicações dos direitos da sociedade civil, a proposta e implementação de soluções concretas e democráticas do poder público.
Mas, enquanto esse cenário não se concretiza, questionamentos ecoam: Será que em períodos eleitorais, como 2020, levamos em consideração as propostas quanto ao saneamento básico em consideração na hora de eleger um candidato? Será que cobramos a esfera pública e reivindicamos esse nosso direito constitucional de acesso à água potável? Será que em nosso cotidiano buscamos economizar esse recurso esgotável? Será que consumimos produtos e serviços de empresas que compactuam com essa consciência ambiental? Será que as empresas em que trabalhamos repensam seus processos internos para economia de água? Será que precisaremos de uma nova pandemia e recomendações de higiene pessoal para suscitarmos a discussão da deficiência do nosso sistema de saneamento básico?
Alessandra Vieira Luccas, arquiteta e urbanista, pós-graduanda em Meio Ambiente e Sustentabilidade, é assessora urbanista na Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec). Giovanna Tiboni, engenheira civil pós-graduanda em Meio Ambiente e Sustentabilidade, atua em projetos de recursos hídricos e saneamento na empresa Qualy Metrics.
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