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A ONU pode salvar o mundo de si mesmo?

Guterres pede redução da escalada do conflito entre Israel e Hezbollah
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres (Foto: EFE/ Ángel Colmenares)

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Na minha experiência, quando muitos eventos sem precedentes acontecem ao mesmo tempo, quase sempre as consequências são desastrosas e sem precedentes. Trabalhei por 30 anos como Conselheiro da ONU, tendo sido convidado para dar apoio a mais de 80 países em desafios relacionados à inovação para desenvolvimento local e prestação de serviços públicos. Nunca me atribuíram o desafio de obter paz no Oriente Médio. Mas aprendi na prática que é muito complexo obter consenso sobre questões muito mais simples como transporte público, moradias de baixa renda ou estratégias para geração de empregos – principalmente quando mais de um país é envolvido.

De fato, pessoas muito mais poderosas nunca conseguiram obter essa almejada paz. Por isso, sinto grande preocupação quando o secretário-geral da ONU, António Guterres, é declarado "persona non gratae impedido de entrar em Israel. Quando países sentem frustração após tentar canais diplomáticos, eles recorrem a meios militares.

É fácil dizer que o design da ONU não acompanhou os desenvolvimentos globais. Mas existe algum design institucional que poderia fazer isso enquanto acomoda tantas visões divergentes?

Em 2019, a Somália declarou como persona non grata Nicholas Haysom, o Representante Especial do Secretário-Geral e Chefe da Missão de Assistência das Nações Unidas na Somália (UNSOM). De acordo com a ONU, “A Convenção de Viena de 1961 sobre Relações Diplomáticas estabelece que a doutrina de persona non grata se aplica a agentes diplomáticos que são credenciados por um Estado para outro no contexto de suas relações bilaterais. A ONU não é um Estado (...) seu pessoal trabalha sob a responsabilidade exclusiva do Secretário-Geral”.

Então, o que acontece quando o próprio secretário-geral da ONU é declarado persona non grata? Isso é extremamente sério. Pela perspectiva de Israel, o país foi atacado de forma sem precedentes por mais de 200 mísseis vindos diretamente do Irã. O ministro de Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, acusou Antônio Guterres de “apoiar terroristas, estupradores e assassinos” (devido ao massacre de 7 de outubro de 2023) e o descreveu como “uma mancha na história da ONU”, concluindo: “Qualquer um que não possa condenar inequivocamente o ataque hediondo do Irã a Israel, como quase todos os países do mundo fizeram, não merece pisar em solo israelense”, disse Katz em uma declaração na quarta-feira (2). “Israel continuará a defender seus cidadãos e a sustentar sua dignidade nacional com ou sem António Guterres.”

Segundo a ONU, em abril de 2024, Guterres “condenou veementemente o ataque em larga escala lançado contra Israel pelo Irã, e apelou à máxima contenção por todas as partes”. O Conselho de Segurança da ONU se reuniu na quarta-feira (2), mas não parece haver otimismo quanto a uma solução diplomática imediata.

Por um lado, indivíduos em uma posição de liderança podem refletir sua visão pessoal além dos princípios imparciais que permitem qualquer organização complexa de existir. Por outro lado, o secretário-geral da ONU tem possivelmente um trabalho tão desafiador que o próprio design organizacional precisaria ser atualizado. Sem julgar ninguém, sei que a ONU está em reforma praticamente desde que foi criada. E vai existir enquanto os países membros queiram que ela exista.

Projetada em 1945 no final da Segunda Guerra Mundial para "salvar as gerações futuras do flagelo da guerra", percebemos em 2024 que a ONU não foi capaz de parar a guerra Rússia-Ucrânia ou o atual conflito no Oriente Médio. Esses conflitos não são apenas entre dois países, mas envolvem China, Estados Unidos, Irã, Rússia, Sunitas versus Xiitas, a União Europeia, todo o Oriente Médio e o mundo. Negociar a paz trazendo à mesa aqueles que defendem a destruição de um Estado-membro da ONU também não ajuda. Qualquer país tem o direito de se defender, incluindo Israel e Ucrânia.

É fácil dizer que o design da ONU não acompanhou os desenvolvimentos globais. Mas existe algum design institucional que poderia fazer isso enquanto acomoda tantas visões divergentes? Até agora, o equilíbrio precário dentro do atual Conselho de Segurança da ONU parece ser a única opção.

Será que a ONU como organização não percebeu que a Segunda Guerra Mundial ainda não acabou? Da mesma forma que a Primeira Guerra Mundial continuou como Segunda Guerra Mundial, questões globais não resolvidas já iniciaram uma Terceira Guerra Mundial não declarada. Este novo cenário requer mecanismos inovadores para lidar com guerras por procuração, desenvolvimentos tecnológicos, comunicações globais instantâneas, o crescimento do extremismo fundamentalista, espionagem na velocidade da luz, ameaças nucleares sem precedentes, uma indústria de defesa global de US$ 2 trilhões por ano e outros elementos convencionais e não convencionais não refletidos na arquitetura tradicional da ONU.

A arquitetura da ONU tem sido discutida por décadas sem uma solução consensual. No passado, as ambições de poder eram resolvidas por meio de guerras. Seria ingênuo supor que a resposta agora estaria apenas na extinção da ONU ou em um novo organograma para uma organização internacional.

À medida que esta nova guerra fria se torna mais quente do que nunca e fatores sem precedentes começam a acontecer, o mundo tem a necessidade urgente de praticar um pouco de bom senso inovador sem precedentes. Ou poderemos ter a infelicidade de testemunhar uma tragédia sem precedentes em uma escala sem precedentes.

Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como conselheiro sênior em inovação, gestão pública e desenvolvimento urbano da ONU em Nova York.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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