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Sede da Polícia Federal em Brasília. Imagem ilustrativa.
Sede da Polícia Federal em Brasília. Imagem ilustrativa.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O combate à corrupção está centrado em três eixos: prevenção, controle e punição. A prevenção refere-se ao conjunto de medidas administrativas e dispositivos normativos que auxiliam a regulação das atividades na esfera pública. Essas medidas têm por propósito antecipar as consequências de uma ação, corrigindo-a e redirecionando-a antes que o ato corrupto se manifeste. No caso brasileiro, estamos nos referindo a toda legislação que tem por objetivo inibir as práticas de corrupção, tais como os Códigos de Ética, a Lei de Licitações e o Código Eleitoral.

O controle refere-se ao follow-up, ou seja, acompanhamento dos planos da organização pública e a verificação dos métodos e materiais adotados em defesa dos recursos públicos. Nessa etapa dá-se a verificação dos elementos institucionais de controle sobre a União, os estados e os municípios. É o aspecto mais difícil e de maior vulnerabilidade. Nesse eixo é que temos reincidências de atos de corrupção que despertam nos cidadãos uma sensação de impunidade, um verdadeiro dejá vu. O controle depende enormemente, de um lado, das informações disponibilizadas pelos órgãos públicos; e, de outro, de instituições de fiscalização e controle. Nesse segmento encontram-se os Tribunais de Contas e as Ouvidorias, por exemplo.

A punição é um processo que almeja a redução da probabilidade de um ato corrupto ocorrer. Pressupõe-se que a aplicação de penas e de condenações será suficiente para desestimular e reduzir os incentivos às práticas corruptas. Tal pressuposto deriva da ideia de que um determinado ato improbo poderá ser eliminado da esfera pública por temor à privação da liberdade. Acredita-se que a possibilidade de encarceramento será suficiente para inibir qualquer desvio de recursos por outros agentes públicos.

Nesse sentido, o Poder Judiciário assume um papel fundamental tanto pela resistência aos governos corruptos quanto por assegurar os princípios do Estado Democrático de Direito. Especificamente, no caso brasileiro, o Ministério Público assumiu o protagonismo como fiscalizador do interesse público, ou seja, do bem comum. Compete ao Ministério Público a função de contribuir para o estabelecimento dos critérios da política criminal ou da persecução penal dentro do Estado, à luz dos princípios orientadores do direito penal.

Foi esse o escopo da Operação Lava Jato, sob responsabilidade do Ministério Público, que se propôs a investigar e punir os agentes políticos envolvidos em atos de corrupção. A Lava Jato foi uma investigação que teve origem em esquemas de lavagem de dinheiro, mas que logo alcançou esquemas de corrupção e financiamento ilegal de campanhas envolvendo empresas públicas e partidos políticos. Iniciada em 2014 e esvaziada gradualmente a partir de 2020, foi a ação mais longeva que o Brasil teve no combate à corrupção. Não apenas a longevidade chama atenção, assimcomo os números da operação: 278 condenações de 174 réus, e 17 acordos de leniência que assegurarão a recuperação de R$ 15 bilhões desviados.

A investigação, ao longo de seis anos, foi revelando como os recursos públicos foram apropriados indevidamente por atores políticos, eleitos ou não. Recursos que deveriam destinar-se a uma população desprovida de bons hospitais públicos, de creches, de escolas com qualidade, de bons salários aos professores da rede pública e de moradias dignas. A operação mostrou como os políticos operavam – e ainda operam em alguns setores – na apropriação do dinheiro público.

Obviamente vários erros, como usos e abusos de expedientes que norteiam os princípios jurídicos, ocorreram durante a ação de promotores, procuradores e juízes, mas há contribuições que não podem ser renegadas. Por exemplo, os acordos de leniência fechados pela Odebrecht, revelando os meandros da relação público-privada não apenas no Brasil, mas em diversos países, como Angola, Argentina, Colômbia, México, Moçambique, Panamá e Equador. Também devemos considerar as mobilizações que ocorreram para promover mudanças na legislação brasileira, conhecidas por reformas anticorrupção, destacando-se a Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei 13.303/2016), que dispõe sobre novos padrões de governança, riscos e compliance da empresa pública, estabelecendo regras mais rígidas para compras, licitações, e de nomeação de diretores, membros do Conselho de Administração e de presidentes; o Decreto 9.203/2017, que define a obrigatoriedade de instituição de programas de integridade para órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional; e a Lei 13.964/2019, proveniente de projeto do governo denominado “pacote anticrime”, e que propôs diversas alterações no Código Penal.

Inegavelmente, a Lava Jato trouxe mudanças; a principal é que estamos mais cientes de que o combate à corrupção tem de ser permanente e contínuo, pois somente assim conseguiremos assegurar que agentes corruptos não retornem à política. Não podemos iludir-nos achando que a corrupção acabou no Brasil.

Rita de Cássia Biason é cientista política e professora na Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus Franca.

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