Na madrugada de trinta de abril, o líder da oposição venezuelana e presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, iniciou sua terceira tentativa neste ano de remover o ditador Nicolás Maduro do poder. Dessa vez, teve o apoio de soldados, militares de baixa patente e, significativamente, do diretor da agência de inteligência. A seu lado estava seu mentor, Leopoldo López, liberto da prisão domiciliar.
Com milhares de venezuelanos indo às ruas para apoiar o levante, parecia que o regime de Maduro poderia estar próximo de um desfecho – mas ao fim daquele dia ficou claro que Guaidó não conseguira convencer as tropas a se voltarem contra Maduro. Elas continuam sendo o obstáculo mais formidável para a mudança de regime.
Desde então, Guaidó anunciou uma série de greves, cujo objetivo é manter o fôlego da oposição, e continua a encorajar os militares a se voltarem contra Maduro. Acontece que essa estratégia, pouco realista, já se esgotou.
A Venezuela pode enfrentar uma transição relativamente longa sob o regime militar
Os militares são o principal foco do poder na Venezuela. Compõem uma instituição altamente secreta, e, embora os boatos sobre conspirações, divisões entre os quadros e insurreições iminentes venham crescendo, poucos chegaram a se concretizar. No geral, a rebelião fracassada provou que as forças armadas continuam disciplinadas, e os generais parecem manter o comando sobre as tropas. São elas também que administram a maioria das agências governamentais e lucram com o que restou da minguada economia, incluindo o setor petrolífero, o câmbio, o contrabando e o narcotráfico.
A impressão que se tem é a de que Guaidó e Maduro estão engajados em uma batalha épica pelo apoio das forças armadas, mas a situação é um pouco mais complicada que isso. Claro que o exército, a marinha e a aeronáutica é que decidirão a hora de Maduro sair e, quando/se isso acontecer, negociarão os termos de sua partida, mas pôr o presidente fora do jogo não implica a aceitação de Guaidó e/ou uma guinada rumo à democracia.
Ao contrário, a Venezuela pode enfrentar uma transição relativamente longa sob o regime militar, que dure até que as forças armadas estejam convencidas de que a volta da democracia não vai ameaçar nem seu poder, sem seus privilégios; ou um regime híbrido, no qual Guaidó e outros líderes de oposição compartilharão o poder com militares acusados de crimes graves.
Leia também: A Venezuela entre a esperança e a guerra (editorial de 1.º de maio de 2019)
Leia também: A situação da Venezuela se complica (editorial de 7 de abril de 2019)
Essa perspectiva é, sem dúvida, desanimadora, mas o fato é que, uma vez que a transição se inicia, ela tende a adquirir vida própria. Há sinais de que Guaidó e sua equipe estão demonstrando maior flexibilidade e pragmatismo ao lidarem com a dinâmica de poder atual – como a proposta de manter alguns líderes militares em seus postos em um governo pós-Maduro, muito além da oferta inicial de anistia. Optar por essa solução pode até facilitar a transição para a democracia, mas está longe de ser algo garantido.
Felizmente, os EUA não deixaram dúvidas de que seu apoio está com as forças democráticas, mas a retórica e as políticas do governo Trump às vezes parecem sabotar os esforços para desacreditar o regime de Maduro.
Um bom exemplo foi o assessor de segurança nacional, John Bolton, acusando publicamente o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, e outros líderes de voltarem atrás depois de terem prometido tirar Maduro do poder e apoiar Guaidó, com a insurreição em curso. Constranger um comandante influente certamente não é a melhor maneira de conduzir uma negociação tão delicada.
No mesmo dia, o secretário de Estado Mike Pompeo destacou a influência russa sobre o presidente venezuelano e afirmou novamente que todas as opções continuam abertas, dando a entender que uma intervenção militar ainda era possível. No Twitter, Trump atacou Cuba por apoiar Maduro e prometeu novas sanções econômicas contra a combalida ilha.
Declarações como essas abalam a confiança dos militares venezuelanos nas autoridades norte-americanas e na oposição. Resumir a questão a uma briga entre Rússia e EUA pode distorcer as medidas essenciais para a solução da crise venezuelana. Uma intervenção armada, amplamente rejeitada na América Latina, só agravaria o sofrimento do povo.
Elevar o tom belicoso só vai enfraquecer a coalizão regional que apoia o retorno da democracia à Venezuela – e seis décadas de um embargo comercial fracassado mostraram que, embora possam até render alguns votos e gerar doações de campanha em South Florida, pressões desse tipo têm pouco efeito sobre o regime cubano e servem apenas para diminuir a posição dos EUA na América Latina e perante o resto do mundo.
O impasse venezuelano não vai durar para sempre, mas um retorno imediato à democracia é bem pouco provável. Quanto mais rapidamente a oposição e seus defensores internacionais adaptarem suas estratégias a essa dura realidade, mais depressa o país pode começar a encontrar a saída para uma crise sem precedentes.
Michael Shifter é o presidente do Diálogo Interamericano, um think tank de Washington dedicado às questões do Hemisfério Ocidental. Bruno Binetti é pesquisador da organização e vive em Buenos Aires.
The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
Deixe sua opinião