A Constituição protege o direito de enunciar bobagens, desde que não seja calúnia, injúria ou difamação, e se você for um artista famoso há grande chance de milhões de pessoas acreditarem nas tolices que você diz.
Dias atrás, um badalado artista nacional, interessado em investir no negócio de restaurantes, resolveu enveredar pelas teorias de administração e se pôs a dar conselhos sobre gestão empresarial. Foi-lhe perguntado sobre que conselhos ele daria para os jovens empreendedores e, especificamente, qual o segredo do sucesso.
Com aquela convicção que a ignorância confere e a aura de verdade que os artistas famosos julgam ter, ele respondeu: "meu negócio vai dar certo porque tenho paixão; sou apaixonado pelo que faço, e esse é o segredo do sucesso".
Logo pensei: ter paixão pelo negócio ou pela tarefa é um estímulo para a dedicação e para o trabalho. Mas daí a achar que a paixão é fator de eficiência é um pouco demais. A paixão mobiliza, mas ela não é fator de competência. Se assim fosse, bastaria encontrar profissionais apaixonados, quem sabe até fanáticos, que o sucesso estaria garantido. A eficiência e a competência exigem mais: exigem razão, estudo, preparação, experiência e atualização constante.
O problema do tal artista é que, ao dizer "se tem paixão pelo que faz, você vai ter sucesso", ele estabeleceu uma conexão linear entre paixão e sucesso; e isso não é correto. Se assim fosse, nenhum apaixonado seria medíocre. Na Filosofia, mais especificamente nas teorias de lógica, um "argumento" é uma afirmação declarativa feita como "conclusão" de certas "premissas".
Se derivar de forma lógica da premissa, a conclusão estará correta, mas nem por isso será verdadeira. Se a premissa for falsa, a conclusão será falsa. Uma premissa é falsa (não verdadeira) quando não é apoiada por evidências que a comprovem. Vamos ao seguinte argumento: 1) A paixão leva ao sucesso. 2) Pedro é apaixonado pelo que faz. 3) Logo, Pedro terá sucesso.
A conclusão "Pedro terá sucesso" está correta porque deriva logicamente das premissas 1 e 2. Mas a conclusão, embora correta, não é verdadeira; ela é falsa (o contrário de correto é incorreto; o contrário de verdadeiro é falso). A conclusão é falsa porque a premissa 1 é falsa. Não há provas de que "a paixão leva ao sucesso". Ela pode ajudar, ser útil, mas dizer que ela é "a causa" do sucesso não é algo provado. Onde estão os estudos, as teorias científicas provando que paixão produz sucesso? Ou que paixão causa competência profissional?
Se o tal artista não tiver as competências e as habilidades de um empreendedor, e se não estudar administração, finanças e outros assuntos do mundo dos negócios, ele irá à falência. A paixão não o salvará. Ele precisa ler Pascal, que dizia tratar-se de uma "confusão das ordens". Administração é da ordem da razão. Paixão é da ordem do coração.
Se o artista tivesse dito que é bom amar seu trabalho ou sua profissão, pois assim fica bem mais agradável estudar, preparar-se, aprender, dedicar-se e se atualizar, ele teria dado uma boa dica.
Alguém pode não ter paixão pelo que faz e, ainda assim, ter êxito. Um soldado da guerra do Vietnã disse: "Eu odiava a guerra; eu odiava matar; eu sabia que os inimigos eram jovens como eu; e eu sofria quando eles tombavam diante de meu fuzil. Mas eu lutava com disciplina e eficiência. Eu fui bem treinado para isso".
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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