O momento de grande comoção internacional diante das graves agressões sofridas pelo povo palestino revela o nível extremo a que podem chegar as disputas territoriais, que colocam em questão a disputa pela própria existência. De um lado, a Palestina reivindica seu direito de existir, e Israel ataca sob o mesmo fundamento. O direito de existência depende dos direitos territoriais. A situação não é muito diferente do que ocorre nas cidades brasileiras, onde milhares de comunidades vivem permanentemente à margem dos seus direitos territoriais, reivindicando há dezenas de anos este reconhecimento tão básico: fazer parte da cidade. Assim como a Palestina, as comunidades situadas nas cidades brasileiras reivindicam o direito de existência.

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A despeito da promessa básica de ser um país de todos, o Brasil ainda sonega a milhões de brasileiros o direito de fazer parte do território. Famílias e comunidades inteiras vivem como refugiados, sem direitos fundiários básicos à cidadania. A permanência destas pessoas nos terrenos é apenas "tolerada" pela cidade que se recusa a acolher, e que não hesita em mobilizar tratores e policiais – com a mesma agressividade da artilharia israelense – para abrir espaço aos cidadãos de primeira classe, chamados de "pessoas jurídicas": empresas, shopping centers, construtoras etc.

Esta atitude do poder público nas cidades brasileiras é fruto da ignorância quanto ao fenômeno migratório que marcou a geografia do Brasil no século 20, que resultou na transição da população rural para a população urbana. Foram migrações forçadas que levaram milhões de brasileiros, expulsos de suas terras rurais pela violência econômica, a se refugiar nas cidades, onde passariam a viver em acampamentos improvisados.

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Os migrantes se estabeleceram, mas nunca foram totalmente acolhidos. As comunidades de migrantes são frequentemente consideradas "ilegais" pelas prefeituras, pois suas características territoriais são comparadas com o padrão dito "legal", que parte da premissa da "normalidade" e do alto padrão. Ora, é evidente que as prefeituras ignoram a situação geográfica excepcional do fenômeno. Em Curitiba, por exemplo, a Cohab-CT anuncia a intenção de cobrar altos valores dos moradores das comunidades ditas "ilegais", a título de "venda" da propriedade dos terrenos, mesmo depois de mais de 30 anos de existência dessas comunidades!

É preciso notar que os terrenos, nessas comunidades, foram urbanizados pelos próprios moradores, e integralmente às suas custas. Não há mais nada a cobrar, e é urgente reconhecer o direito dessas famílias à permanência. Cobrar dos moradores por direitos que já deveriam ter sido reconhecidos é apenas um recurso cínico de quem ainda cogita ameaçar a permanência dessas populações.

Para que se tenha uma dimensão da questão, os dados oficiais totalizam mais de 60 mil famílias em assentamentos ditos irregulares na cidade de Curitiba (sem incluir a região metropolitana), o que corresponde a pelo menos 240 mil pessoas. A regularização fundiária dessas comunidades, sem ônus, seria o meio mais digno de reparar a dívida histórica com os migrantes que foram, por tanto tempo, marginalizados na cidade.

Bruno Meirinho, advogado, é assessor do Instituto Democracia Popular. Foi candidato a prefeito de Curitiba, pelo PSOL, em 2008 e 2012.

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