A ascensão e queda dos grandes impérios sempre foi marcada por grandes guerras, pestes destruidoras e transformações técnicas e tecnológicas. Das pestes do Egito Antigo à pandemia vivida na atualidade, dezenas foram os casos que reuniram questões sociais, políticas, econômicas e biossistêmicas em uma confluência caótica rumo à derrocada de determinada hegemonia. O controle do tempo também pautou os duelos entre as potências decadentes e as potências emergentes. Roma apropriou-se significativamente do tempo e da vida de Atenas; Amsterdã e Londres propuseram uma nova relação entre homem, tempo e vida em oposição a Lisboa e Madri. No mundo ocidental, a última revolução temporal adveio com Nova York, quando a democracia se consolidou enquanto um terreno fértil e inovador, ao ponto de inspirar e espantar um dos maiores pensadores do século 19, Alexis de Tocqueville.
Essa história do mundo ocidental, contada em todos nossos os manuais de História, passou do Mediterrâneo ao Atlântico, do Catolicismo ao Protestantismo, da Monarquia à República, enfatizando sempre a inicial maiúscula como a grande história do próprio mundo. Democracia, república e modernidade, entre outros conceitos, foram formulados e espalhados por todo o planeta como uma espécie de luz redentora da humanidade.
Contudo, três importantes eventos no século 21 passaram a colocar em xeque essa leitura da história. Os dias 11 de setembro de 2001 e 15 de setembro de 2008 evidenciaram as fragilidades da maior potência do mundo em proteger suas fronteiras e suas finanças. As respostas a essas crises também mostraram seus limites. As guerras no Oriente Médio foram extremamente onerosas e improdutivas. A crise de 2008 expôs as facetas da desigualdade nos EUA e os perigos da financeirização em detrimento da industrialização. Por fim, o surgimento da Covid-19 expôs a fragilidade dos EUA em cuidar da saúde dos seus próprios habitantes.
Na outra ponta da disputa encontra-se a China. Cerceadora de qualquer ameaça ao seu redor (basta ver o que aconteceu em Hong Kong), protetora de sua indústria, a partir de uma política propositiva de (des)controle cambial, e eficazmente controladora no combate à pandemia, a China vem despontando como a maior potência geopolítica do século 20, apesar de sua força militar ainda não se equiparar aos EUA.
Ademais, para além da temporalidade conjuntural dos eventos mencionados, nos deparamos com uma mudança mais profunda: o deslocamento geopolítico do mundo atlântico para os mundos do Pacífico e do Índico. Se o mundo oriental ultrapassará o poder econômico do mundo ocidental no século 21, o tempo da modernidade também será ressignificado a partir de Abu Dhabi, Dubai, Doha, Pequim, Xangai, Shenzen, Chandigarh, Mumbai e Nova Délhi. Tais transformações no mundo do trabalho, das técnicas e da tecnologia já afetam esse novo cenário, mas suas implicações hegemônicas ainda irão se consolidar no decorrer deste século.
Caberá ao mundo ocidental se preparar para os seguintes desafios. Como ficará o projeto europeu? Como a América lidará com essa atual fratura interna? A América Latina continuará sendo apenas uma exportadora de grãos, gás e goleadores? Enquanto isso, a China inaugura o maior telescópio do globo terrestre, em mais uma tentativa do homem em descobrir e controlar a origem do seu próprio tempo no universo.
Victor Missiato é doutor em História, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais sobre o Desenvolvimento Humano (Mackenzie/Brasília) e Intelectuais e Política nas Américas (Unesp/Franca).
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