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Artigo

A panela terrorista

Aconteceu há duas semanas: uma jornalista norte-americana resolveu comprar uma panela de pressão para cozinhar quinoa, um grão oriundo da América do Sul, muito popular na dieta da turma adepta da alimentação saudável. Começou a pesquisar no Google os melhores preços para realizar essa prosaica aquisição. Ao mesmo tempo, seu marido, no escritório, pensou em comprar uma inofensiva mochila, um backpack, desses que são peças insubstituíveis na indumentária dos executivos modernos. Também resolveu acessar o onipresente Google para ver os modelos e preços. O filho da jornalista estava fazendo um trabalho escolar e decidiu pesquisar – sabem onde? no Google – a respeito do atentado da Maratona de Boston, meses atrás.

Resultado: na manhã seguinte, a casa da família foi cercada por carros pretos do governo, dos quais desceram agentes mal humorados que revistaram a casa toda e interrogaram o casal e o filho. Não tendo encontrado nada comprometedor, desistiram e partiram. Peças da charada: os dois rapazes que praticaram o atentado de Boston há meses tinham utilizado uma panela de pressão para acomodar os explosivos e uma mochila para transportar a panela até o local. A vigilância das comunicações fez o resto, juntando três "indícios" veementes: o interesse pelos atentados, por mochilas e por panelas de pressão.

O caso demonstra claramente o grau de paranoia que tomou conta dos Estados Unidos – e não se iluda, caro leitor –, da Inglaterra, da Europa e de grande parte do mundo. Algumas das garantias tradicionais do cidadão, como a inviolabilidade da correspondência, o direito de fazer tudo aquilo que a lei não proíba sem ser incomodado pelo Estado todo-poderoso, e o direito à privacidade estão sendo silenciosamente descartadas sem cerimônia e substituídas por um sentimento coletivo de desconfiança em relação a tudo e a todos, que resulta em uma vigilância indiscriminada dos cidadãos, independentemente de qualquer culpa ou intenção malévola.

Há 42 anos, Daniel Ellsberg, analista do Pentágono, entregou ao New York Times e ao Washington Post um documento supersecreto, apelidado pela imprensa de "Papéis do Pentágono". O documento mostrou à população que o governo estava mentindo e mascarando realidades ligadas ao envolvimento ianque na Guerra do Vietnã e o governo Nixon tentou, de várias maneiras, intimidar Ellsberg e impedir os jornais de publicá-los. A Suprema Corte determinou que as tentativas de barrar a divulgação do documento tinham sido inconstitucionais e, com isso, brecou a truculência governamental.

Agora, no caso de Julian Assange, fundador do Wikileaks, que não consegue sair da Embaixada do Equador em Londres; de Edward Snowden, que passou um mês no limbo do aeroporto de Moscou; e, mais recentemente, do brasileiro que ajudava o jornal The Guardian a cobrir o escândalo da vigilância de cidadãos norte-americanos pelo próprio governo de maneira abusiva, detido e intimidado em Londres, a truculência voltou com força total.

O mundo está esbarrando em um impasse crucial: a preservação das garantias da liberdade individual, herança de 250 anos de aperfeiçoamento dos regimes democráticos, versus a "segurança coletiva", como esse conceito passou a ser entendido nos últimos 30 ou 40 anos com a multiplicação dos atos de terrorismo mundo afora. É um impasse de solução dificílima, da qual pode resultar um mundo condenado a ser mais "seguro", embora irremediavelmente totalitário. Quem viver verá.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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