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Opinião do dia1

A parábola do filho paciente

Dizia a minha avó, a sábia baiana Dona Góia, que "quem a boca de meu filho beija, a minha adoça" e portanto, quando vemos o presidente Lula vir ao Paraná para assinar a oficialização (não é liberação ainda, seus apressadinhos) dos recursos do PAC para investimentos na área de saneamento, habitação popular e a ampliação do Aeroporto Affonso Pena, só há que comemorar.

Mas vamos e venhamos, é pouco, muito pouco para um estado como o nosso que dá ao país uma enorme contribuição e pede quase nada em troca. Além do mais, o PAC é muito mais um recondicionamento de projetos que já constavam de um ou outro programa federal em um novo pacote para presente do que um plano realmente novo, o que se comprova quando se analisa os projetos incluídos nele e que estão à vista no público no site do Ministério do Planejamento. Ademais, dos R$ 504 bilhões de dispêndios, apenas R$ 68 bilhões virão do orçamento fiscal e de seguridade do governo; o resto é dinheiro das estatais federais e de outras fontes. Para o sul do Brasil, dos R$ 504 bilhões, o PAC destina apenas 37,5. No caso do Paraná, a penúria é a mesma. Na área de infra-estrutura logística, apenas a construção de uma nova ponte ligando ao Paraguai, a continuação de um trecho relativamente pequeno da BR-153, a construção de um ramal ferroviário em que nem o traçado está definido, alguns investimentos em Paranaguá, no Aeroporto Affonso Pena e a "adequação do Contorno da BR-116", que aliás foi construído depois de décadas de reivindicações e lutas. Os gastos em saneamento obviamente são feitos com recursos reembolsáveis de financiamento, os quais deverão ser pagos pelo governo estadual ou pelos municípios beneficiados; quanto aos investimentos em habitação, a mesma coisa.

Enquanto isso, nossos problemas de transporte e escoamento continuam a se agravar. A velha BR-116 continua com seus 40 quilômetros de duplicação no trecho para São Paulo em passo de cágado, ou mesmo em compasso de espera. Conta a lenda que a demora se deve ao fato de que se descobriu na área um ninho de papagaios raros, mas acredito que isso é lenda urbana, pois depois de tantos anos, os papagaios já devem ter morrido de causas naturais. Mas, como agora já querem até culpar os flatos e os arrotos das vacas e dos alces pelo aquecimento global, tudo é possível.

Essa saga paranaense de dar muito e receber pouco, às vezes, lembra-me a parábola do filho pródigo. Enquanto o irmão mais velho permaneceu junto ao seu pai trabalhando para ele, o mais jovem dilapidou tudo o que seu pai havia lhe dado em dissipações até que um dia voltou para casa arruinado sem ter o que comer. O pai então ordenou aos empregados: "Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Ponham um anel no dedo dele e sandálias nos seus pés. Também tragam e matem o bezerro gordo. Vamos começar a festejar porque este meu filho estava morto e viveu de novo; estava perdido e foi achado." O filho mais velho não se conformou e interpelou o pai: "Faz tantos anos que trabalho como um escravo para o senhor e nunca desobedeci a uma ordem sua. Mesmo assim o senhor nunca me deu nem ao menos um cabrito para eu fazer uma festa com os meus amigos. Porém, esse seu filho desperdiçou tudo o que era do senhor, gastando dinheiro com prostitutas. E agora ele volta, e o senhor manda matar o bezerro gordo!" (Pai é um bicho ingênuo, não é mesmo?)

O Paraná se parece com o filho mais velho da parábola. Ano após ano, estamos lá, com nossos 12 milhões de toneladas de soja, quase 3 milhões de milho, 2 milhões de toneladas de carne de frango, US$ 10 bilhões de exportações e na hora de investir em infra-estrutura de transportes o que recebemos? Uma migalha. Temos uma população jovem, ansiosa para progredir, ávida por uma educação de boa qualidade e, no momento de receber investimentos novos realmente volumosos na área do ensino universitário, para onde vão os recursos? Para muitos lugares, menos para cá. Temos uma medicina universitária de excelência no nosso Hospital de Clínicas da UFPR, mas, entra ano e sai ano, o abnegado Giovane Loddo é obrigado a cumprir a Via Dolorosa da burocracia oficial para conseguir verbas para que o HC não feche por falta das coisas mais comezinhas. E nem conseguimos sensibilizar o governo federal para que esse assuma a responsabilidade pelos custos do quadro de funcionários para desonerar o próprio hospital liberando dinheiro para outros fins. Sempre há um outro destino para o dinheiro, um outro irmão que assume a precedência nas atenções do pai, um filho pródigo pronto a se refestelar com o bezerro gordo e o vinho do pai enquanto nos contentamos com as migalhas do banquete.

Mas de quem é a culpa? Certamente nossa. Enquanto os outros estados se esmeram em lutar articuladamente pelas atenções do governo federal, engolfamo-nos nas picuinhas da províncias, nas ciumeiras paroquiais, na incapacidade de esquecer as mesquinharias para unir forças para lutar por uma agenda comum. É a velha anedota do inferno dos paranaenses, em que nem é preciso que o diabo fiscalize as saídas do reino inferior pois alguns de nossos conterrâneos já cumprem gostosamente essa pouco nobilitante missão de evitar que os outros consigam se livrar dos suplícios infernais.

BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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