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A perda do valor do dinheiro no mercado e na sociedade
| Foto: Pixabay

No mês passado o banco central europeu baixou as taxas de juros para -0,5%, e o banco central alemão fez uma emissão de bônus de 10 anos com mesma taxa, ou seja, quem comprasse cem euros destes títulos com um prazo de um ano hipoteticamente resgataria aproximadamente € 99,50.

Este modelo de juros negativo não é uma surpresa, considerando que o Japão já vinha praticando modelo equivalente desde os anos 2000.

Algumas são as razões que fazem o mercado comprar títulos com este tipo de juros negativo, mas no caso europeu, a maior delas é a segurança da manutenção dos recursos pertencentes em grande parte a companhias que vivem uma economia estagnada.

Depositar seu dinheiro e resgatar menos é um conceito tangível de perda de valor monetário.

Existe porém, um conceito intangível de perda ou aferição do “valor percebido” do dinheiro. Não estou aqui falando de questões monetárias ou fiscais que compreendem a inflação. Aborda-se aqui uma questão sensorial e quase filosófica que vem permeando a sociedade, lenta e despercebidamente, ao redor dos nossos hábitos de consumo. De nossas prioridades, de nossa relação com o capital.

Valor percebido é um conceito de métrica de valor de consumo, em que se mede o interesse maior pelo produto ou serviço em face a mesma quantia em dinheiro e em um mesmo instante.

Se você puder encontrar este ponto de inflexão ganhou o jogo do mercado.

Sempre faço a seguinte pergunta ao interlocutor em minhas apresentações do que seria preferido, um bilhete da loteria federal americana com o prêmio acumulado correndo naquela semana de 68 milhões de dólares, ou um dólar que é o preço do bilhete? A absoluta maioria escolhe o bilhete. Isso é valor percebido.

Na economia, o dinheiro está perdendo o valor tangível com os juros negativos, mas também, do ponto de vista de valor percebido, aquele dólar está cada vez mais desinteressante

Pois este é o momento em que vivemos.

Na economia, o dinheiro está perdendo o valor tangível com os juros negativos, mas também, do ponto de vista de valor percebido, aquele dólar está cada vez mais desinteressante. Para o jovem da nova geração, vale mais o bilhete premiado, a percepção de viajar, de viver os seus sonhos, e principalmente a mobilidade e a liberdade que seriam insubstituíveis. “No commitment and no strings attached”.

Mas o que explica essa correlação negativa de tangibilidade monetária e valor percebido que tanto se almejou durante toda a história da humanidade até esta geração renovadora dos millennials? Há uma tese:

Uma das mais fascinantes teorias do universo, e que faz parte de nosso dia a dia é a “teoria do caos”. A tese baseia-se no fato de que um pequeno evento ou alteração de destino pode produzir consequências enormes e absolutamente inesperadas. É algo mais ou menos assim: Um belo dia você perde seu emprego que não era lá essas coisas, e então desconsolado você abre uma empresa e começa a ganhar muito dinheiro. Se torna uma pessoa de muito sucesso, conhece sua esposa em sua empresa, tem filhos amados, faz grandes amigos, escreve uma bibliografia e tem uma vida feliz. Como seria se seu chefe não tivesse demitido você da empresa? Um caos!

A Teoria do Caos, também conhecida como Teoria das Borboletas foi formulada em 1960, quando o meteorologista americano Edward Lorenz fez algumas simulações em seu computador e descobriu que alterando um cálculo através de algumas casas decimais, poderia tornar um movimento de uma massa de ar fria em uma tempestade. Com base nesta análise, Lorenz considerou que o bater de asas de uma borboleta nos EUA poderia desencadear uma catástrofe na Austrália.

O que isto tem a ver com tangibilidade monetária e valor percebido?

Sabemos que as bigtechs e startups em geral estão reescrevendo a dinâmica dos mercados e moldando a quarta revolução industrial. São empresas que muitas vezes utilizam o capital com melhor eficiência que as empresas tradicionais principalmente por sua inventividade tecnológica.

Tais mudanças de paradigma como a uberização dos serviços, desintermediação de inventários por empresas como Amazon, Netflix, e uma infinidade de marketplaces e ferramentas disruptivas, criaram desajustes nos modelos convencionais da economia tradicional, e nas estruturas de mercado.

Embora os principais economistas atribuam a iminência de uma possível recessão global à redução da atividade econômica, há que se considerar nesta análise de causa e efeito, a teoria do caos das abruptas mudanças de paradigma da economia das últimas duas décadas.

Vimos um deslocamento de capital fixo sem precedentes, outrora empregado na velha economia, mas que hoje tornou-se excedente de capital a disponível, que hoje representam 25% dos títulos disponíveis globalmente – nada menos que US$ 13,65 trilhões de acordo com o Itaú Asset Management.

Um capital disponível que não está alocado para investimentos produtivos e que ao não produzir riqueza, torna a economia mundial cada vez mais vulnerável em um círculo vicioso, em que quanto mais disponibilidade há, maior é a oferta; mais oferta, menor será o valor, e, portanto, a provável explicação dos juros negativos ou perda de valor tangível (Lei de oferta e demanda, de Adam Smith, em 1723)

Do ponto de vista humano, a desordem produzida nesta quarta revolução industrial atinge o tecido social e se assevera na percepção de valor percebido de uma nova geração que pensa em estar, e não em ficar, pensa em viver bem e não em ser, tem como desenho de ideal o momentum, ao invés do duradouro, e que entende o acúmulo de capital ainda que pela aquisição de um imóvel ou automóvel como algo positivo embora não impreterível, e que desta forma ao final, somente vem retroalimentar a ambos os conceitos de perda de valor do dinheiro. Tanto o tangível como o percebido.

Alexandre Nigri é CEO do Grupo Maxinvest.

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