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A pergunta de bilhões de dólares

(Foto: Pixabay)

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Uma amiga me pergunta: “por que os governantes palestinos não ajudam o seu povo, em vez de cavarem túneis para destruir Israel e mandarem foguetes e pedras para nos eliminarem?” Infelizmente a realidade é triste e vergonhosa, e divido minha resposta em duas partes, uma histórica (que pode ser ampla e facilmente constatada) e outra opinativa.

A história

Começo em novembro de 1947, quando as Nações Unidas votaram pela partilha da Palestina em dois estados: um judaico e um árabe (note: não palestino, mas árabe).

Israel aceitou a partilha, apesar de Estado judeu ser formado por três blocos praticamente sem continuidade e cerca de 80% do território ser desértico. Já os países árabes recusaram a partilha. No dia 14 de maio de 1948, terminou o mandato britânico sobre Israel e o último soldado britânico saiu do país.

Imediatamente, sete países árabes (sendo que apenas quatro fazem fronteira com Israel) atacaram Israel e iniciaram a Guerra de Independência, que durou até 1949. Durante esta guerra a máquina de propaganda árabe prometia varrer Israel do mapa e jogar os judeus ao mar. Para facilitar esta investida, diversos governos e lideranças religiosas pediam aos árabes locais que saíssem de Israel para facilitar o avanço das tropas árabes. Cerca de 700 a 750 mil árabes locais aceitaram o chamamento, tendo sido prometido a eles que após a vitória eles voltariam a Israel, receberiam as suas propriedades e também as propriedades dos judeus que, nesse ínterim, já teriam sido expulsos do país.

Como consequência desta guerra, os países árabes foram derrotados e as fronteiras locais, redefinidas. O tal Estado árabe acabou não existindo, já que a maior parte foi conquistada pela Transjordânia, enquanto a Faixa de Gaza foi conquistada pelo Egito. As áreas chamadas Judeia e Samaria, conquistadas pela Transjordânia, foram rebatizadas como Margem Ocidental. Em abril de 1950 a Transjordânia incorporou a Margem Ocidental a seu território soberano e mudou o nome do país para Jordânia. Esta incorporação foi condenada universalmente – só foi reconhecida por Paquistão e Inglaterra.

O que ocorreu com os árabes que saíram de Israel?Os árabes de Israel se dirigiram aos países vizinhos. Uma grande parte se dirigiu à Transjordânia e outros contingentes à Síria, Iraque, Líbano e, em menor escala, a Arábia Saudita, Catar, Iêmen e outros países.

A Liga Árabe, originalmente uma união de sete países (hoje são 22), decidiu não absorver estas pessoas, mas colocá-las em acampamentos de refugiados para utilizá-las como arma de propaganda contra Israel, a quem definiram como inimigo. Exceto a Jordânia, nenhum outro país árabe lhes deu cidadania, mantendo grande parte em campos de refugiados – a maioria dos demais países árabes até hoje lhes nega inclusive direito à propriedade e ao trabalho.

O que ocorreu com os judeus expulsos dos países árabes? Como consequência do conflito, cerca de 700 mil a 750 mil judeus foram expulsos concomitantemente dos países árabes. A maioria dirigiu-se a Israel e contingentes menores foram para a Europa e as Américas. Todos foram absorvidos, nem um único se define como refugiado. Em particular, no Estado de Israel, eles e seus descendentes atingiram altos cargos no governo, na indústria, nas universidades e no exército.

A UNRWA e o tratamento dos que saíram de Israel em 48

Conforme dito acima, a esmagadora maioria dos árabes que viviam na região passou a viver em campos de refugiados. A ONU tem um departamento que cuida de todos os refugiados do mundo, a UNHCR (sigla em português: Acnur). Mas a ONU decidiu criar um órgão diferente, exclusivamente para os refugiados da Guerra de Independência de Israel, a UNRWA. Criada para agir durante três anos com possibilidade de prorrogação por mais três, a UNRWA vem tendo sua vida prorrogada a cada três anos, sendo a vigência atual até 30 de junho de 2023.

A definição dos assistidos pela UNRWA, conforme resolução de 1949, dizia que

“refugiados da Palestina são pessoas cujo local de residência regular foi a Palestina durante o período de 1.º de junho de 1946 a 15 de maio de 1948, e que perderam casa e meios de subsistência como resultado do conflito de 1948”. Porém, com o tempo a definição foi sendo mudada e hoje inclui qualquer descendente em linha patriarcal de refugiados de 1948, inclusive pessoas adotadas por eles. Com esta ampla definição, o número de “refugiados” na conta da UNRWA é hoje de 5,6 milhões de pessoas, embora não restem mais de 32 mil sobreviventes do êxodo de 1948. Note-se que nenhum outro órgão para refugiados, em nenhum país do mundo, adota definição similar. Para atender este imenso contingente, a UNRWA conta com mais de 33 mil funcionários assalariados e com um orçamento anual de US$ 1,1 bilhão de dólares. Desde sua fundação, o custo da UNRWA superou US$ 100 bilhões, superior ao PIB de países como Croácia, Paraguai, Líbano, Uruguai ou Jordânia.

A função definida para a UNRWA é “estabelecer um fundo de reintegração que será utilizado (...) para o reassentamento permanente de refugiados e sua remoção do sistema assistencial”. No entanto, a gestão de tamanho orçamento e o incrível número de funcionários diretos faz com que a UNRWA aja para que seu objetivo primário jamais seja alcançado.

A identidade palestina

Até o início do século 20 as pessoas na região do Levante se definiam por sua fé – muçulmanos, judeus ou cristãos. Com a chegada das ideias europeias de nacionalismo começam as discussões sobre a autodefinição dos locais. Alguns consideravam os residentes do Levante uma nação; outros os restringiam “aos que falavam o árabe oriental”; havia quem defendesse “todos os falantes de árabe”, e até “todos os muçulmanos”. Ninguém sequer pensava em “palestinos”, já que Palestina era uma forma de dizer “Eretz Israel” ou “Terra Santa”, um conceito puramente judaico e cristão, totalmente estranho aos muçulmanos, que chegavam a considerar o termo repugnante. Os judeus se denominavam palestinos conforme se vê na sua moeda, seu banco e sua nacionalidade. Os árabes locais se consideravam “sírios do sul”, parte de uma nação “pan-árabe”. Quando os ingleses definiram a nacionalidade dos locais como palestinos (em 1920), os muçulmanos se revoltaram, atribuindo o termo a uma vitória dos sionistas e um “espelho dos cruzados”.

Em 1959 aparece um novo nome na região. O egipcío Mohammed Abdel Rahman Abdel Raouf Arafat Al Qudwa Al Husseini, cujo codinome era Abu Amar e que se tornará conhecido sob o nome de Yasser Arafat. Ele funda um novo grupo – a Fatah –, que rompe com a ideia de uma união árabe a favor de um Estado e advoga a luta armada para atingir tal fim. Arafat consegue fazer com que os centros dispersos de árabes com raízes na então Palestina passem a se considerar membros de uma nação, adotando o nome de palestinos, apesar de forte oposição das autoridades da Jordânia que insistiam em fazer os habitantes da Margem Ocidental se considerarem jordanianos (com sucesso nas áreas urbanas). Aliás, os residentes locais consideravam os refugiados como “outros” e a criação do conceito de serem todos palestinos foi um processo demorado e complexo. Em 1964 nasce a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), que começa a ganhar alguma proeminência após a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Em 1969 Yasser Arafat se torna o líder da OLP e sua Fatah passa a ser o grupo armado dominante na organização, agindo por meio de ações de guerrilha e terror. Gradativamente a ideia de um nacionalismo palestino ganha volume até o completo desaparecimento da identidade jordaniana entre os habitantes do que já foi Judeia e Samaria, depois virou Cisjordânia, Margem Ocidental e agora tenta se transformar no Estado da Palestina.

Uma avaliação do cenário atual

A Palestina atual é uma colcha de retalhos formada por inúmeras correntes que competem entre si, sendo duas predominantes: a Fatah e o Hamas. A Fatah lidera a Autoridade Palestina, que governa a área conhecida como Judeia e Samaria, ou Margem Ocidental, ou, ainda, Cisjordânia. O Hamas domina a Faixa de Gaza desde a feroz guerra civil que expulsou a Autoridade Palestina. Entre os demais grupos estão a Jihad Islâmica, a FPLP, a FPLP-GC, a Frente Democrática para Libertação da Palestina e o grupo Abu Nidal (este quase extinto). A partir daqui já não se trata de história, mas minha interpretação respondendo à questão de minha amiga.

Ambos os governos palestinos vivem de financiamento externo. O Ocidente costuma aumentar suas doações proporcionalmente ao sofrimento do povo agraciado com suas doações. Assim, quanto mais sofrerem os palestinos, maior o potencial de arrecadação. Fica, então, bastante claro o desinteresse em melhorar as condições do povo, pois significaria menos dinheiro.

A Autoridade Palestina é considerada uma das mais corruptas no mundo. A ONG Transparência Internacional (que mede índices de corrupção) informa que, em dezembro passado, 67% da população palestina considerava seus governantes corruptos, e 58% acreditavam que haverá ainda mais corrupção em 2021. Um relatório do mês passado afirma que pescadores em Gaza têm de entregar 35% da pesca a fiscais do governo do Hamas e, caso se recusem, têm 100% da pesca apreendida. A corrupção alfandegária supera todas as documentadas na América Latina. O desvio de fundos internacionais é uma constante. Estes fatores seriam suficientes para explicar a manutenção da pobreza como fonte inesgotável de recursos para a corrupção nos altos escalões.

A segunda parte da pergunta de minha amiga se refere ao envio de foguetes, atentados, túneis e outras formas de ataques a Israel. A meu ver este é o segundo componente do tripé palestino. Sempre, em todos os países, a ameaça externa funciona como fator de união interna. Foi assim na Alemanha da Segunda Guerra, na Argentina que decidiu enfrentar a Inglaterra nas Malvinas, Na Turquia enfrentando os curdos, em Ruanda entre tutsis e hutus. A ameaça do “outro” é um grande fator de união “entre nós”. Ao manter Israel como o grande inimigo externo, os governantes conseguem desviar a atenção da corrupção e demais problemas internos. Mais do que isto, conseguem também unir facções rivais, evitando choques de correntes antagônicas.

Cada vez que os fatores de descontentamento surgem, criam-se incidentes com Israel. Isto ocorre nos momentos de falta de alimentação, de desemprego, de falta de combustíveis ou no aparecimento de correntes internas discordantes. Neste momento se arma uma batalha “contra o inimigo” e seus resultados são sempre positivos. Absolutamente sempre! Afinal, se o incidente causa morte ou destruição ao “inimigo”, ocorrem ondas de regozijo e congratulações que elevam a estima pelos governantes; se ocorrem mortes e destruição dentro de seu território, tem-se uma excelente ferramenta de propaganda que gera simpatia externa, apoio e influxo de doações; se não ocorre nada do anterior, mas sim uma derrota, une-se novamente o país na desesperada “necessidade de reconstruir e reforçar nossos meios de defesa”.

Para os governantes é sempre um jogo de ganha-ganha. Ganha-se união interna, apoio e simpatia da população, aumento de doações internacionais e – consequentemente – mais dinheiro para corrupção, para apadrinhamento e para “comprar” a simpatia de opositores e calá-los.

Marcos L. Susskind é ativista comunitário, palestrante e guia de turismo em Israel.

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