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A “placa dental” do Rio Belém

 | Pedro Serapio/Gazeta do Povo
(Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo)

Sou professor da PUCPR, cortada pelo Rio Belém. Todo dia transito pela ponte que liga os dois lados do campus, ali no Prado Velho, e não é possível deixar de perceber o grau de deterioração do leito do rio.

Leciono aulas de Microbiologia para Odontologia e comecei a observar coincidências entre o malfadado curso d’água e a boca dos pacientes. Pois bem, em ambos ecossistemas temos um líquido (água x saliva) que banha uma superfície sólida (leito x dentes). A ação contínua do fluxo de líquido, repleto de bactérias (em ambos), leva à formação de uma massa que chamamos de lodo e de placa dental, respectivamente.

Pois bem, e o que o lodo e a placa dental têm em comum? Ambos são formados por uma espécie de “geleia repleta de bactérias”, chamada tecnicamente de biofilme. E biofilmes são difíceis de serem removidos sem intervenção humana. Basta lembrar que, se você não escovar os dentes, essa placa fica cada dia mais espessa e, com o tempo, passa a causar vários problemas de saúde, variando de mau odor até cárie ou doença periodontal.

A reabilitação de rios por dragagem de leito oferece uma série de vantagens adicionais, como a geração de aditivos para enriquecimento de solos

Da mesma maneira, o lodo formado no leito do Belém (e de outros rios que cortam nossa cidade) não sairá de lá por conta própria. Outro dia, tivemos um temporal que elevou o nível do rio em pelo menos três metros. Supostamente, a correnteza levaria todo o lodo embora, rio abaixo. Que nada! No dia seguinte, lá estava o biofilme, cinzento e fétido.

O que fazer então? Você se lembra da placa dental? A solução é remoção física. Se não dragarem o leito do Belém, o lodo vai persistir por lá, acumulando bactérias que tornam um suplício o convívio no entorno, principalmente em dias de calor.

Para os trechos de rio que são canalizados e rasos, isso poderia ser feito periodicamente com uma boa lavadora de alta pressão. Em trechos não canalizados, é necessária a dragagem do leito. Aliás, isso removeria o lodo depositado e aprofundaria o leito, colaborando também com a prevenção de transbordo durante chuvas.

A reabilitação de rios por dragagem de leito oferece uma série de vantagens adicionais, como a geração de aditivos para enriquecimento de solos a partir do lodo e recuperação da qualidade da água para repovoamento com peixes. O sedimento removido pode ser usado como fertilizante florestal ou de jardins.

E quanto àquela questão de materiais tóxicos depositados no leito do rio a partir do esgoto? Se bem conduzido, o processo de dragagem remove os sedimentos formados e não eleva a concentração de poluentes na água. Isso já foi feito com sucesso em diferentes locais do mundo. É o caso do Rio Fox, em Wisconsin (EUA), que estava poluído por dejetos químicos da produção de polpa de celulose e de papel e que agora é considerado limpo.

Voltando à nossa comparação, da mesma maneira que cuidamos da nossa higiene bucal e escovamos os dentes diariamente, o poder público deve zelar pelo bem-estar da população e limpar o leito dos rios urbanos para que não se formem tais depósitos bacterianos.

Curitiba, que tanto se orgulha em ser uma cidade modelo, não pode apresentar para o resto do mundo sua “boca” tão malcuidada.

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