Bolsonaro, com a faixa presidencial, ao lado do ex-presidente Michel Temer, durante a solenidade de posse.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ouça este conteúdo

Os sistemas políticos atuais são marcados pela ascensão dos extremos, mediante incandescentes pautas de polarização. A estratégia é pragmática: muito mais fácil organizar eleitoralmente uma sociedade numa linear lógica do “nós contra eles”. Criam-se, então, dois lados que, por meio de discursos dirigidos, procuram ganhar maiorias que legitimem a vitória nas urnas. Afinal, o voto – apesar de todo o sonho e utopia –, quando colocado na urna, se transforma em um número que, somado, concederá ou não a vitória ao respectivo candidato escolhido.

CARREGANDO :)

A história recente fornece elementos concretos. Durante o regime militar, a política se polarizou no artificial bipartidarismo entre Arena e MDB. Com a redemocratização, houve um gradual e sucessivo enfrentamento de forças entre PSDB e PT. Desgastados os partidos, partimos para uma pauta de personalismos; na última eleição, tivemos o duelo entre o “bolsonarismo” e o “lulismo”, redundando na eleição do atual presidente. Aliás, tanto o último pleito como a corrida eleitoral de Collor demonstram que a política pode surpreender com candidaturas alheias ao mainstream, sendo o acaso uma força democrática jamais desprezível.

Agora, vencer eleições não garante a arte do bom governo. Isso porque a narrativa linear dos pleitos majoritários pode pouco diante das fundas complexidades da democracia. Sim, o voto outorga poder ao governante que, por seu turno, deve ser dotado de capacidades especiais para bem compor as diferenças que se revelam no tecido social e no corpo político parlamentar. Para tanto, além da habilidade de bem negociar, é fundamental a sensibilidade de fazer tocar com as palavras, criando enredos políticos aptos a despertarem a esperança de que um novo tempo é possível e viável a todos, a partir de opções democráticas assertivas e concretas.

Publicidade

Em especial, na atual consolidação das redes sociais, a imagem e o speech político se tornam ainda mais decisivos. Com a popularização da internet e dos smartphones, é praticamente impossível esconder fatos desagradáveis ao poder. E, por mais que se inicie uma briga de versões, existem situações que falam por si, enterrando os esforços para se maquiar a realidade. Ou seja, em um tempo de imediatismo informacional a cores e em alto e bom som, o charme retórico será infinitamente mais decisivo do que já fora no passado.

Ora, as tentativas recentes de se rebaixar o discurso político a pautas rasteiras e agressivas representam apenas o recurso apelativo que faz do choque um instrumento de contenção social. Em outras palavras, ganha-se tempo e alimenta-se o fervor dos apoiadores de fé. Todavia, ao longo da curva, tal tática perde persuasão, pois as pessoas cansam de governos que promovem conflitos permanentes. Aliás, a conflitividade é um traço maiúsculo de inaptidão democrática. Isso não significa que não haja lutas e embates políticos necessários, mas a arte do bom governo requer o tato da hábil composição de interesses. A guerra deve ser um instrumento da paz.

Portanto, há uma nova dinâmica política no ar. Mais complexa, responsiva e de poliédrica comunicação. Objetivamente, as evoluções das sociedades exigem correlatas adaptações e aperfeiçoamentos de seus respectivos sistemas políticos. Algumas mudanças vêm de forma rápida, outras ofertam resistências firmes. Mas o fato é que o futuro não será como o ontem. E aqueles que, pelo poder, são capazes de tudo serão visitados pela força do nada com uma impressionante velocidade tecnológica. Quando se ver, a vida já terá mudado de forma absolutamente irrevogável.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.