Há necessidade de combate diferenciado a uma nova criminalidade organizada, que é estruturada, hierarquizada, com divisão de tarefas, busca de vantagem financeira, acesso à tecnologia e que dispõe de suporte jurídico e contábil para ocultação de patrimônio e pessoas. Com o avanço dos anos, foram incrementadas ações policiais contra organizações criminosas de alto poder ofensivo, mas antes desconhecidas do poder público devido à sua grande capacidade de infiltração no Estado (corrupção), na sociedade (simpatia rendida aos que têm uma posição destacada) e influências políticas (lobby), o que confere a tais organizações uma invisibilidade momentânea e mimetismo social.
Ações de grupos criminosos organizados em Minas Gerais (roubo a banco), Rio (falsa blitz, seqüestros, tráfico, ataque a civis), São Paulo (idem), Espírito Santo (falência do modelo de Estado), em período recente, levaram à instalação dos já idealizados gabinetes de gestão integrada (GGI), com previsão de um deles na Região Sudeste.
Inicialmente, a Polícia Federal promovia as investigações por ordem de antiguidade, de acordo com os recursos humanos e materiais disponíveis. Numa segunda fase, com um novo conceito de racionalidade de investigação, constatou-se que a repressão local de um delito, sem atuação coordenada, não dava fim à criminalidade verificada, pois havia um movimento "poça dágua". Explico: quando pisamos numa poça dágua (a poça representando a criminalidade local e a pisada representando a atuação do Estado), no local ocupado pela pegada (atuação do Estado) não existirá mais a poça (crime constatado e reprimido). A criminalidade, contudo, em torno da pegada, continuará existindo, pois os criminosos apenas se deslocaram fisicamente para fugir à ação do Estado.
Daí surgiu a vitoriosa diretiva operacional da Polícia Federal em atuar sempre de forma coordenada, em vários estados, com efetivo proporcional às dimensões da área de ação, segurança da comunidade e do corpo policial, para impedir que a organização criminosa continue operando atividades ilícitas.
Com o advento da lei de combate ao crime organizado (Lei 9.034/95), houve autorização legal para a seletividade e especialização (terceira fase) de ações da Polícia Federal, isto porque técnicas de investigação especiais como infiltração policial e ação controlada ou entrega vigiada são vocacionadas, inclusive por imperativo legal, prioritariamente ao combate de organizações criminosas.
Inaugurada a fase de "seletividade" das ações policiais, são criadas, na PF, uma diretoria e delegacias regionais de combate ao crime organizado, delegacias especializadas em prevenção e repressão ao tráfico de armas, crimes financeiros, dentre outras. O "pool" de magistrados especializados em matéria de associações de tipo mafiosas, na Itália, existe desde a década de 80.
Melhor integrados, Poder Judiciário, Polícia Federal, polícias civis e demais órgãos integrantes, além de gestores da Segurança Pública (art. 144, da CF/1988) e Ministério Público, podem contribuir de forma mais efetiva para a modificação do atual quadro da segurança pública no Brasil, mas sem esquecer que esse remédio ministrado ao paciente sem escola, saúde, emprego e condições dignas de moradia e sobrevivência, ainda que apresentado um diagnóstico precoce, nada mais é do que um paliativo.
Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de Polícia Federal, professor da Academia Nacional de Polícia e pós-graduado em Segurança Pública e Defesa Social.