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A política da verdade

Praça Tiradentes. (Foto: André Rodrigues/Arquivo Gazeta do Povo)

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Muitos já ouviram a expressão “essa é a minha verdade... você fica com a sua verdade e eu fico com a minha”. Mas não é assim. A verdade não é relativa. Ela é o que é. Na prática, ninguém é relativista de fato. E nenhuma pessoa gosta de ser enganada.

Em meio a tantas mentiras propagadas de modo virtual e real, comecei a pensar sobre a necessidade de buscar a verdade em todas as áreas: na vida pessoal, profissional, nos relacionamentos, na política... O relativismo tem grandes consequências para o mundo e convém entender alguns pontos que sustentam essa ideia. Um deles é o subjetivismo.

É claro que existem elementos subjetivos, que dizem respeito ao gosto de cada um. Os elementos subjetivos são uma pequena parte da realidade. O meu sentimento – o modo como vejo alguma coisa – não pode mudar a verdade. A constatação de que as pessoas olham um objeto por ângulos diferentes, tendo apenas parte da informação do todo, não quer dizer que o objeto não seja real e passível de conhecimento. Posso olhar pela janela e ver uma árvore a partir da sua copa ensolarada. A pessoa que passa na rua a vê por baixo, sob a sombra. Vemos pontos diferentes, mas é o mesmo objeto. Se eu for até a calçada, terei a mesma visão que o pedestre. O objeto continua o mesmo, só que agora tenho mais informações sobre ele.

A ideia de que não se tem certeza sobre a verdade de alguma coisa é diferente de dizer que não há verdade sobre ela. Minha ignorância não invalida a realidade. Os cientistas há 300 anos não conheciam a existência de vírus. Sua descoberta não invalida que hoje os conheçamos e possamos estudá-los. Há muitas coisas que os cientistas não conhecem, e isso não implica que haja um relativismo no mundo, mas que há ignorância. Existem outras coisas que os cientistas não vão conseguir saber, mas que podemos conhecer por meio de filósofos. Não ter todo o conhecimento não invalida a existência do conhecimento.

Há outra confusão que exige atenção. Existem resultados que podem ser alcançados pelo uso de meios distintos, mas isso não valida o elemento objetivo aí contido, pois existem inúmeros outros meios que não são eficientes para isso. Podemos ter diversos caminhos para se chegar a um lugar, mas também há diversos caminhos que não levam para lá.

Diz o ditado que “opinião cada um tem a sua”. Mas uma opinião pode estar de acordo com a realidade e outra, em discordância com ela. Alguém pode achar que a Terra é redonda e outro pensar que a Terra é chata, mas isso não anula a constatação de que nosso planeta tem forma arredondada. A discordância muitas vezes existe porque muitos não têm informação suficiente ou se concentram em aspecto parcial do objeto.

O que precisamos entender é que “verdade” e “opinião” são coisas distintas. A primeira não depende da segunda e a segunda não implica em negação da primeira. É simples entender: se minha opinião diverge da realidade, será uma opinião que expressa algo falso. Volto a dizer, existem elementos subjetivos. Os cariocas preferem mate gelado, os gaúchos gostam de chimarrão. Qual dessas culturas está mais correta em relação à forma de tomar mate?

Porém, há certos elementos culturais que não podem ser subjetivados. O fato de algumas culturas praticarem infanticídio não significa que seja moralmente correto. O mesmo pode ser dito de tribos que praticam mutilação de genitálias femininas. Além disso, canibalismo e sacrifícios humanos já foram aceitáveis em diversas culturas. Comportamentos diferentes não invalidam o fato de que há valores a seres respeitados quando se busca o bem, independentemente da cultura.

A escravidão foi aceita em certas culturas (inclusive na nossa), mas isso não a torna aceitável. E por que a escravidão é horrível e deve ser rejeitada? Porque temos uma noção de bem objetivo que deve ser respeitada. Mas por que é preciso ser contra a escravidão e a favor do respeito pelas mulheres e da defesa dos mais fracos? Porque há princípios que nos remetem a uma ideia objetiva de bem – por exemplo, a noção de que todo ser humano é digno e deve ser respeitado.

Não defendo uma cultura única, nem uma opinião única em tudo. Existem características neutras que devem ser respeitadas como parte da tradição de cada povo. Mas há princípios que todas as culturas e pessoas devem seguir, porque se referem à dignidade humana e à preservação do bem comum.

Tudo isso impacta na visão de mundo da sociedade que resulta em problemas de convivência e que corrompem a própria política. A verdade liberta, mas ela também mostra que há escolhas certas e erradas. O relativista não quer escolher o erro e assumir que está errado, mas quer transformar o erro em verdade, para justificar o que faz. Qualquer crítica ou discordância é contornada com a ideia de que isso “é sua opinião, que é diferente da minha”.

Os nazistas relativizaram a noção de ser humano, e assim passaram a invadir outras nações e a perseguir judeus. O mesmo acontecia entre os escravocratas que, por motivos distintos, achavam que os escravizados eram pessoas inferiores. Essa mesma relativização do ser humano dá a base para a argumentação que favorece a morte de milhões de bebês todos os anos por conta do aborto induzido.

Na base das maiores atrocidades da história está sempre uma postura que relativiza a noção de bem. Alguns pensam que o fato de ter uma verdade nos levará a uma sociedade intolerante, dogmática e totalitária. Primeiro, uma coisa não implica na outra. Segundo, o relativismo favorece o desrespeito ao ser humano, por não considerar que exista uma noção de dignidade humana e de bem comum. Se não há ideia de certo e de errado, até onde se pode ir? O relativismo não traça esse limite, pois todos estão certos e errados ao mesmo tempo. Isso gera conflito na sociedade, pois o certo passa a ser uma questão de quem grita mais alto.

Portanto, essa visão também corrompe a democracia e a noção de liberdade das pessoas. Sem princípios que remetam ao bem comum da sociedade, é bem possível que uma maioria faça escolhas que vão contra a dignidade de uma minoria e até contra a própria dignidade. Sem a noção de verdade, não haverá noção de justiça. Assim, o que prevalece são palavras vazias que podem justificar qualquer coisa. Tudo vira vontade de poder e guerra de narrativas. Quando se busca a verdade é mais fácil chegar a um consenso, pois há espaço, abertura e capacidade de entender os argumentos do outro.

Sem a noção de bem e de princípios que remetem a ele, a política se torna uma mera disputa de poder, na qual se aceita a máxima maquiavélica de que os fins justificam os meios. É por isso que vemos mensalões e petrolões sendo justificados, pois eles favoreciam certos grupos no poder. Em nome da ideologia, qualquer coisa passa a ser permitida.

Muitos pós-modernos acreditam que as crenças, valores e as noções que temos de verdade são fruto de interesses escusos que nos são passados pelas diversas influências que temos em nossas vidas. Contudo, as manipulações de massa e a indução de comportamentos não são frutos da verdade, da ideia de um bem que pode ser conhecido e seguido. Isso é oriundo de uma visão relativista da moral que faz com que esse tipo de prática seja aceito.

E o que garante que afirmar que “as verdades que conhecemos têm interesses escusos” não seja também uma argumentação com interesses escusos? No fundo, isso pode ser só uma desculpa para não limitar a própria vontade ao bem, realizar ações sem limites éticos e levar adiante a própria agenda política. O fato é que o relativismo não gera a liberdade e a tolerância, mas pode servir como sustentação para as maiores atrocidades da história.

O único antídoto contra a ditadura do relativismo e a política maquiavélica é admitir que existe uma verdade objetiva que remete a valores universais que nos pautam para o bem comum das pessoas. Somente considerando a ideia de uma verdade objetiva é que se tem a possibilidade de realizar uma boa política. O que está de acordo com a verdade está de acordo com o bem. E isso começa por assumir que existe uma realidade, que há uma natureza humana, que encontramos uma ordem no mundo que aponta para uma lei natural.

Sabemos que a felicidade pode conter elementos subjetivos, que dizem respeito ao indivíduo. Contudo, há elementos objetivos e muito claros que nos deixam cientes do que é a felicidade. E não falo de uma felicidade hedonista, baseada em prazer desregrado, mas de uma felicidade que é pautada pelo desenvolvimento humano integral, que leva em conta todas as suas dimensões e potencialidades.

Para isso temos de encarar a busca pela verdade como um dever de cada um, principalmente de quem é chamado à vida pública. Conhecer e buscar o bem são ações necessárias para melhorar a política do nosso país. No meu caso, estou na política há pouco mais de dois anos e venho descobrindo a importância não só de ampliar o próprio conhecimento técnico, mas também filosófico, histórico e humano para conseguir tomar as decisões corretas.

Não me convenço com a ideia de que alguém que não tem interesse em aprender terá uma boa atuação política, somente com base em boas intenções. Quem não tem uma noção concreta do bem a ser buscado pode buscar qualquer coisa. Nas horas mais complexas, essa pessoa não saberá tomar a decisão que resulta no bem comum.

Entender a realidade não se resume a ter diplomas conceituados ou ler muitos livros. É algo que passa por uma postura humilde e ao mesmo tempo corajosa. Como ensinou Sócrates na sua busca pela sabedoria, devemos ter consciência do que sabemos realmente e do que não sabemos. Chesterton ilustrou bem isso quando disse: “Para o homem humilde, e somente para o homem humilde, o sol é realmente o sol; para o homem humilde, e somente para o homem humilde, o mar é realmente o mar”. A humildade revela a realidade.

Buscar a verdade e viver de acordo com ela é algo árduo. Esse impulso para não nos conformar com o nosso saber limitado nos é dado pela magnanimidade que nos leva a fazer o esforço para buscar entender o mundo ao nosso redor, a descobrir soluções para os nossos problemas e viver de acordo com isso, mesmo que vá contra nossos desejos.

Quando descobrimos o caminho correto a ser seguido, reconhecemos também que há caminhos errados. Por isso é preciso ter coragem para viver de acordo com a verdade. Temos de assumir a nossa responsabilidade e não lavar as mãos quando as decisões mais difíceis precisam ser tomadas.

Isso não foge da ação política. Quem está na vida pública deve cultivar a busca pela verdade. É preciso entender o mundo ao redor, compreender os problemas, saber analisar as soluções que chegam, saber ordenar o conhecimento e trabalhar em prol do bem comum. Quem está na vida pública nunca deve se eximir da responsabilidade de ser também um sábio. A sabedoria não antagoniza nunca com a ação, com a realização prática, com a capacidade de gestão. Pelo contrário, só potencializa essas qualidades. A sabedoria nos abre para a verdade e nos tira do relativismo.

O político relativista é como um guia sem mapa e sem rumo. Para manter a confiança dos que o seguem, usa mentira e manipulação. Já o político sábio, que se submete à verdade, é como o bom capitão do mar. Conhece o navio, sabe as características da tripulação, ouve os bons conselhos dos que os auxiliam, tem noção dos climas que enfrenta, das dificuldades com que pode se deparar nas águas mais profundas, entende como são os mares que navega, as correntes que lhe puxam e, principalmente, sabe para onde vai.

A política do relativismo conduz a sociedade para os interesses pessoais daqueles que conseguiram agarrar o poder para si. A política submissa à verdade conduz a sociedade para o bem comum, para a real felicidade.

Valdemar Bernardo Jorge é secretário do Planejamento e Projetos Estruturantes do governo do Paraná.

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