Contados os votos de mais de 400 milhões de eleitores de 28 países-membros da União Europeia, o resultado das recentes eleições para o Parlamento Europeu confirma uma lição por excelência para os condutores políticos da construção comunitária do Velho Continente. A vitória dos eurocéticos, como se previa e temia, acabou por não acontecer, mas o aumento contundente de vozes dissonantes é fator inquestionável, a gerar perplexidade e preocupação.
Como resultado final, no entanto, e os números são fatos, dois folgados terços de europeus seguem crendo na integração, apesar da era de crises e de incertezas geradas pela insensatez do tempo. Os grupos a favor da União Europeia recuam, por certo, mas permanece incólume a sólida maioria, a contar com democratas cristãos, socialistas, liberais e verdes, principalmente da Alemanha, e verdes de todas as tonalidades.
Na Europa de hoje, é perigoso não ir votar
Em cultura política de índole liberal, como herança da vitória sobre extremismos, em duas guerras mundiais e na posterior debacle da União Soviética, o voto facultativo adotado como dogma acaba por enfraquecer a representação democrática, com imposições artificiosas de maiorias circunstanciais, apenas dos que foram votar, o que, como no Brexit, acaba por conformar irremediável desastre. Agora, em quase 30 anos de eleições comunitárias, a boa notícia é que a participação popular aumentou, com a cidadania comum fazendo-se de fato sentir. A emergência de graves problemas, das imigrações desordenadas a dificuldades econômicas, a par de terrorismo e incerteza, com lembranças de guerras e de ditaduras, por certo constrangem à maior participação política e à consciência da responsabilidade comum. Na Europa de hoje, é perigoso não ir votar.
Se, por um lado, extremismos foram vetados pelo sufrágio, por outro, o aumento da representação de nacionalismos é evidente, sintomático da gravidade do momento histórico, com conformação de um inusitado Cavalo de Troia, com paradoxais "eurodeputados antieuropeus", agora como segunda força do Parlamento. Quanto a partidos políticos, o Syriza grego, o Podemos espanhol, a Liga e o Cinco Estrelas italianos, o PiS polonês, o Fidesz húngaro e, o maior de todos, o Rassemblement National francês, de Marine Le Pen, são, a partir dessas eleições, forças políticas de espectro continental, a desafiar e impor novas agendas, a reboque de um mundo turbulento e imprevisível que se prenuncia.
O futuro da Europa, que significa o futuro de blocos econômicos e de suas comprovadas soluções em prol do desenvolvimento e da segurança coletiva, com distribuição de riquezas e ampliação da classe média, com segurança coletiva conducente à consolidação da paz e à melhoria das condições gerais de vida, como atributos do insubstituível comércio justo e equitativo entre nações, não pode prescindir de políticas comunitárias. E, se tais lições valem para a Europa, por certo devem valer também para nossa integração regional, onde o Mercosul, uma vez depurado de seus equívocos e desvios recentes, deve ser sempre objeto de prestígio político, de fortalecimento e de aperfeiçoamento constante. Avanços matizados pela peculiaridade derivada do modelo presidencialista profundo de seus membros, o que muito nos afasta do modelo europeu, a par de vultosas diferenças conjunturais e estruturais que permeiam os vizinhos "invizinhos" do Cone Sul, como no feliz neologismo de João Cabral de Melo Neto.
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No momento, bem a propósito, em que se anuncia a certeza da conclusão de negociações entre a União Europeia e o Mercosul, para efeitos de iminente firma de acordo de livre comércio após décadas de frustrados intentos, a certeza da prevalência da razão ainda que tardia por fim conforta e consola. Como vitória da diplomacia, da negociação e do diálogo, abrem-se canais extraordinários, muito além do imediatismo fariseu do comércio e da economia, a tomar-se em conta valores mais profundos, dos povos e de suas sociedades. E tão importante tratado, com todo o seu significado e repercussão, não poderia vir em melhor hora, para ambos os lados do Atlântico.
Resta, por fim, crer nas vantagens da integração regional e nas práticas de boa vizinhança, como sinalização ao mercado internacional, em especial para países continentais como o Brasil e suas dez fronteiras. Chegar-se em entendimento de tal magnitude demonstra a assimilação das lições da história, privilegiando-se a abertura comercial, com solidariedade e com solução pacífica de controvérsias, além de boas práticas de mediação e de arbitragem entre parceiros. Afinal, isso tem sido parte expressiva do efetivo progresso material da humanidade, a partir do notável avanço europeu pós-Segunda Guerra, decorrente exclusivamente de sua construção comunitária. Números não são opinião.
Jorge Fontoura é professor e advogado.
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