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Marine Le Pen, presidente do partido Rassemblement National (RN), discursa após resultados preliminares das eleições ao Parlamento Europeu, em 26 de maio de 2019.
Marine Le Pen, presidente do partido Rassemblement National (RN), discursa após resultados preliminares das eleições ao Parlamento Europeu, em 26 de maio de 2019.| Foto: Bertrand Guay/AFP

Contados os votos de mais de 400 milhões de eleitores de 28 países-membros da União Europeia, o resultado das recentes eleições para o Parlamento Europeu confirma uma lição por excelência para os condutores políticos da construção comunitária do Velho Continente. A vitória dos eurocéticos, como se previa e temia, acabou por não acontecer, mas o aumento contundente de vozes dissonantes é fator inquestionável, a gerar perplexidade e preocupação.

Como resultado final, no entanto, e os números são fatos, dois folgados terços de europeus seguem crendo na integração, apesar da era de crises e de incertezas geradas pela insensatez do tempo. Os grupos a favor da União Europeia recuam, por certo, mas permanece incólume a sólida maioria, a contar com democratas cristãos, socialistas, liberais e verdes, principalmente da Alemanha, e verdes de todas as tonalidades.

Na Europa de hoje, é perigoso não ir votar

Em cultura política de índole liberal, como herança da vitória sobre extremismos, em duas guerras mundiais e na posterior debacle da União Soviética, o voto facultativo adotado como dogma acaba por enfraquecer a representação democrática, com imposições artificiosas de maiorias circunstanciais, apenas dos que foram votar, o que, como no Brexit, acaba por conformar irremediável desastre. Agora, em quase 30 anos de eleições comunitárias, a boa notícia é que a participação popular aumentou, com a cidadania comum fazendo-se de fato sentir. A emergência de graves problemas, das imigrações desordenadas a dificuldades econômicas, a par de terrorismo e incerteza, com lembranças de guerras e de ditaduras, por certo constrangem à maior participação política e à consciência da responsabilidade comum. Na Europa de hoje, é perigoso não ir votar.

Se, por um lado, extremismos foram vetados pelo sufrágio, por outro, o aumento da representação de nacionalismos é evidente, sintomático da gravidade do momento histórico, com conformação de um inusitado Cavalo de Troia, com paradoxais "eurodeputados antieuropeus", agora como segunda força do Parlamento. Quanto a partidos políticos, o Syriza grego, o Podemos espanhol, a Liga e o Cinco Estrelas italianos, o PiS polonês, o Fidesz húngaro e, o maior de todos, o Rassemblement National francês, de Marine Le Pen, são, a partir dessas eleições, forças políticas de espectro continental, a desafiar e impor novas agendas, a reboque de um mundo turbulento e imprevisível que se prenuncia.

O futuro da Europa, que significa o futuro de blocos econômicos e de suas comprovadas soluções em prol do desenvolvimento e da segurança coletiva, com distribuição de riquezas e ampliação da classe média, com segurança coletiva conducente à consolidação da paz e à melhoria das condições gerais de vida, como atributos do insubstituível comércio justo e equitativo entre nações, não pode prescindir de políticas comunitárias. E, se tais lições valem para a Europa, por certo devem valer também para nossa integração regional, onde o Mercosul, uma vez depurado de seus equívocos e desvios recentes, deve ser sempre objeto de prestígio político, de fortalecimento e de aperfeiçoamento constante. Avanços matizados pela peculiaridade derivada do modelo presidencialista profundo de seus membros, o que muito nos afasta do modelo europeu, a par de vultosas diferenças conjunturais e estruturais que permeiam os vizinhos "invizinhos" do Cone Sul, como no feliz neologismo de João Cabral de Melo Neto.

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No momento, bem a propósito, em que se anuncia a certeza da conclusão de negociações entre a União Europeia e o Mercosul, para efeitos de iminente firma de acordo de livre comércio após décadas de frustrados intentos, a certeza da prevalência da razão ainda que tardia por fim conforta e consola. Como vitória da diplomacia, da negociação e do diálogo, abrem-se canais extraordinários, muito além do imediatismo fariseu do comércio e da economia, a tomar-se em conta valores mais profundos, dos povos e de suas sociedades. E tão importante tratado, com todo o seu significado e repercussão, não poderia vir em melhor hora, para ambos os lados do Atlântico.

Resta, por fim, crer nas vantagens da integração regional e nas práticas de boa vizinhança, como sinalização ao mercado internacional, em especial para países continentais como o Brasil e suas dez fronteiras. Chegar-se em entendimento de tal magnitude demonstra a assimilação das lições da história, privilegiando-se a abertura comercial, com solidariedade e com solução pacífica de controvérsias, além de boas práticas de mediação e de arbitragem entre parceiros. Afinal, isso tem sido parte expressiva do efetivo progresso material da humanidade, a partir do notável avanço europeu pós-Segunda Guerra, decorrente exclusivamente de sua construção comunitária. Números não são opinião.

Jorge Fontoura é professor e advogado.

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