Ouça este conteúdo
Pouco antes do início do recesso judiciário de 2023, os processos que podem levar à cassação do ex-juiz e hoje senador da República Sergio Moro (União Brasil-PR) e de seus suplentes tiveram andamento importante. A Procuradoria Regional Eleitoral do Estado do Paraná exarou parecer, manifestando-se pelo julgamento de procedência parcial dos pedidos em tela, a fim de reconhecer a prática de abuso do poder econômico e, como consequência, anular a chapa eleita em outubro de 2022 para o cargo. Também se prevê a decretação da inelegibilidade de Moro, bem como de seu suplente direto, Luís Felipe Cunha, pelo significativo prazo de oito anos.
Antes de apontar especificamente qual teria sido a irregularidade praticada por Moro, é preciso esclarecer que, por mais que o processo de escolha de representantes por meio de eleições seja a pedra de toque das democracias, o acesso ao poder depende do rigoroso cumprimento de princípios e de regras estabelecidas por lei, incluindo as partidárias (internas), além das eleitorais. Logo, se faz necessário que, aliado ao desempenho satisfatório nas urnas, o candidato cumpra fielmente os princípios e as determinações do processo eleitoral democrático.
Quanto ao regramento que deve ser levado em consideração, cito, por exemplo, a necessária igualdade de condições entre os contentores da corrida às urnas, o que busca evitar que alguns postulantes tenham vantagens excessivas sobre os outros. O objetivo de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) – espécie de demanda proposta contra Moro – é impedir e investigar a prática de atos que possam, de alguma maneira, afetar a isonomia dos candidatos numa eleição. E, segundo dispõe a lei complementar 64/1990, em seu artigo 22, uma das espécies de abuso do poder eleitoral é justamente o desvio ou o abuso do poder econômico.
Se atribuiu à chapa de Sergio Moro justamente a prática de poder econômico, em função da existência de gastos vultosos, especialmente na pré-campanha. Apenas para relembrar: antes de se candidatar a senador da República pelo Paraná e ainda capitalizando a popularidade atribuída pela Operação Lava Jato, o ex-juíz tentou emplacar uma pré-candidatura à Presidência, pelo Podemos entre 2021 e início de 2022. Seria uma espécie de “terceira via”, longe dos extremos do PT e do bolsonarismo.
Posteriormente, Moro se desvinculou desse partido e se filiou ao União Brasil, visando, naquele momento, a concorrer a deputado federal por São Paulo, conforme divulgado na época pela imprensa. Somente após o indeferimento da transferência de seu domicílio eleitoral, uma vez que o então candidato não morava em solo bandeirante, é que ele se debruçou à ideia de ser testado nas urnas no estado do Paraná.
Segundo cálculos da Procuradoria Geral da República, o montante gasto pela chapa de Moro, apenas na pré-campanha, representou 110,77% da média de investimentos realizados pelos dez candidatos ao Senado naquele estado, totalizando mais de R$ 5 milhões – o que supera, inclusive, o limite estabelecido para postulantes ao cargo de senador em 2022. Fato é que, os vultosos recursos financeiros aplicados no período geraram grande visibilidade ao candidato Moro, além de promoção pessoal, em detrimento de seus adversários – o que caracterizaria, segundo alega a Procuradoria, abuso do poder econômico. Embora o parecer da Procuradoria não seja vinculativo, as chances de que seja acolhido pelas instâncias competentes são consideráveis, o que pode levar à cassação imediata da chapa e do mandato de Moro, à sua inelegibilidade e à determinação de que uma nova eleição para o cargo de senador seja realizada no Paraná.
A dúvida que fica é: faltou ao senador Sergio Moro conhecimento técnico eleitoral e um adequado assessoramento, na qualidade de candidato, ou o risco foi sabido e deliberadamente assumido? Para um ex-juiz, o cumprimento a regras deveria ser óbvio. Não há no ambiente eleitoral nada a ser subestimado. A maior fiscalização, afinal, está no próprio meio político, onde qualquer escorregada é vista com lentes de aumento por desafetos e adversários, e pode custar caro, com direito a prejuízos legais, partidários e eleitorais incalculáveis.
Wagner Wilson Deiró Gundim é advogado, doutor em Direito Constitucional e em Filosofia do Direito, mestre em Direito Político e Econômico, professor de Direito Constitucional, de Direito Eleitoral e de Ciência Política, e sócio-fundador do escritório Gundim & Ganzella Sociedade de Advogados.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos