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| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

“Quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em qualquer coisa”, disse Chesterton. Não deixa de ser irônico ver como a esquerda secular e “progressista” trata os conservadores religiosos como obscurantistas aprisionados na Idade das Trevas e julga falar em nome da ciência, enquanto mergulha de cabeça nas seitas mais estranhas que existem.

A histeria com o “aquecimento global” (já modificado para o vago “mudanças climáticas”), a ideologia de gênero (negação das diferenças biológicas entre homem e mulher), a repulsa aos transgênicos e o endeusamento dos alimentos orgânicos comprovam: foi a própria esquerda que virou as costas para a ciência.

O tema desse artigo será esse último caso, com base no livro Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo, do jornalista Nicholas Vital. Movimentos ambientalistas declararam guerra aos “agrotóxicos” e santificaram os alimentos orgânicos, tidos como mais saudáveis. Mas será que a ciência está do lado deles? Será que os fatos corroboram essa paixão “natureba”?

O que o autor demonstra, com muita pesquisa e informação, é que toda essa seita criada em torno dos orgânicos depende de mitos, não fatos. As distorções já começam na escolha das palavras. Chamar de “agrotóxicos” os defensivos agrícolas denota um claro viés ideológico.

Toda essa seita criada em torno dos orgânicos depende de mitos, não fatos

Alguns mitos derrubados pelo autor: 1. não há registro histórico de morte comprovadamente relacionada ao consumo de alimentos convencionais, enquanto os orgânicos foram responsáveis por algumas mortes e diversos casos de intoxicação; 2. não existe qualquer diferença, seja nutricional ou de sabor, entre os alimentos orgânicos e os convencionais; 3. o orgânico não é “um pouco mais caro”, e sim bem mais caro; 4. é inviável alimentar 7 bilhões de pessoas com produção orgânica, hoje responsável por menos de 1% do total no Brasil.

Por que, então, a mania com os orgânicos continua crescendo? Em parte isso se deve ao sensacionalismo da imprensa, que adora vender perigo. Há muitos interesses em jogo também, pois as redes varejistas vêm ampliando os espaços dedicados aos orgânicos, que apresentam margens de lucro enormes. O preconceito ideológico também influencia, e jovens idealistas se sentem combatendo o “sistema”, o capitalismo, as grandes empresas, enquanto defendem os “produtores familiares” (na prática, empresários como o ator Marcos Palmeira).

O mito do “bom selvagem” inventado por Rousseau ainda seduz muita gente, especialmente da elite entediada. Tudo aquilo visto como “natural” é considerado melhor, por gente que não aguentaria sobreviver um só dia na Floresta Amazônica. Criados no meio urbano, normalmente mimados, esses jovens nem sequer sabem como a comida surge na prateleira do supermercado. Acham que ela brota em embalagens bonitas, do nada.

O discurso de que grandes empresas estão envenenando o meio ambiente e nossos alimentos soa como música para esses ouvidos rebeldes. Não importa que a ciência refute as teses, que os fatos derrubem o alarmismo. É a narrativa que atrai, e eles gostam de se ver como guerreiros em prol do planeta, lutando contra terríveis capitalistas que riem enquanto jogam veneno em nossa comida. Nada mais distante da verdade, porém.

Do mesmo autor: Desgraça acadêmica: há método na loucura (publicado em 31 de outubro de 2017)

Leia também: Desconstruindo uma demolição (artigo de Marcelo Musa Cavallari, publicado em 19 de dezembro de 2017)

Trabalhar no campo não é fácil, e a quantidade de obstáculos é enorme. Como se não bastasse o clima imprevisível e as dificuldades do mercado, como competição, logística e demanda desconhecida, os produtores rurais precisam enfrentar inúmeras pragas naturais. A história da humanidade desde o advento da agricultura é uma de combate a essas pragas, as mesmas que destroçaram o Egito lá atrás, no relato bíblico, e nunca mais pararam.

Até bem recentemente o nível de perdas nas colheitas era absurdo. De acordo com o Ministério da Agricultura, as perdas chegavam a 30% da produção brasileira no fim dos anos 1950. Em termos proporcionais ao PIB de hoje, isso seria um prejuízo de quase R$ 100 bilhões, inaceitável. A situação começou a melhorar justamente com a popularização dos agroquímicos a partir desta data, e as soluções caseiras felizmente ficaram para trás.

Hoje o Brasil é uma potência global no agronegócio, locomotiva da nossa economia, graças à introdução de defensores agrícolas mais modernos, desenvolvidos após muita pesquisa por gigantes internacionais do ramo. As mesmas empresas odiadas pelos ambientalistas, como Monsanto, Basf e outras. Em nosso clima tropical, com elevada incidência de pragas, a alternativa aos defensivos agrícolas é a fome, não a produção orgânica (que, aliás, também usa seus defensivos, o que costuma ser ignorado pelo público). A pergunta, então, é: você defende mesmo a redução na produção de alimentos em nome de uma ideologia?

Leia também: O que há por trás da ideologia de gênero (artigo de João Luiz Agner Regiani, publicado em 26 de dezembro de 2017)

Leia também: Para onde vai a “nova esquerda”? (artigo de Demétrio Magnoli, publicado em 3 de dezembro de 2017)

A analogia que Vital faz é com os remédios que tomamos para tratar de nossas doenças. Os agroquímicos ou pesticidas são os remédios das plantas, contra suas doenças causadas por pragas. Sua função não é intoxicar os vegetais, mas sim seus predadores. O enxofre, primeiro defensivo agrícola de que se tem notícia, já era usado pelos sumérios para o controle de insetos e ácaros nas terras férteis da Mesopotâmia cerca de 2,5 mil anos antes de Cristo. O que houve desde então foi uma evolução nos métodos de combate às pragas, que se tornaram menos, não mais perigosos.

Para colocar um produto novo no mercado altamente regulado, uma empresa precisa gastar dezenas de milhões em pesquisa e desenvolvimento. Alguém acha mesmo que é mais seguro depender de soluções caseiras, como faziam antigamente? Sim, porque as pragas não vão desaparecer só porque os ambientalistas resolveram amar a natureza e abraçar árvores.

Em suma, essa cruzada contra os “agrotóxicos”, importada da Europa e dos Estados Unidos, está mais para uma seita religiosa do que qualquer outra coisa, uma vez que não se sustenta em fatos ou na ciência. Atores famosos bancam os descolados e muitos querem copiá-los, no afã de seguirem seus passos rumo ao sucesso. Tem muito dinheiro envolvido no negócio dos orgânicos também. Por fim, a mídia vende pânico, o que rende audiência. O que poucos querem saber é a verdade. E a verdade é que o preconceito ideológico, não a ciência, explica a paranoia com os “agrotóxicos”. Graças a eles a produtividade no campo disparou e bilhões de bocas podem ser hoje alimentadas. Se o leitor ainda não está convencido e quer apostar na solução “natureba”, pode optar pela homeopatia em vez de remédios tradicionais da próxima vez que ficar doente. Boa sorte. Vai precisar.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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