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 | Henry Milléo/Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milléo/Gazeta do Povo

Que Curitiba nós queremos? Aquela em que você precisa correr para atravessar uma rua a pé, antes que um carro o atinja? Ou aquela em que até crianças e idosos podem caminhar e pedalar?

Nos últimos anos, cidades pelo Brasil começaram um processo de redução dos limites de velocidade das vias. Esse processo já acontece há décadas em países europeus e se estabeleceu em cidades norte-americanas. Em Curitiba, temos experiências recentes na área central, com a Área Calma, e nas vias estruturais, como as avenidas Sete de Setembro, Paraná e João Gualberto.

As vias estruturais fazem parte do planejamento urbano reconhecido mundialmente. Curitiba é premiada e inspira cidades ao redor do mundo pelas inovações que essas vias estruturais trouxeram. São vias construídas em forma de trinário. As duas vias externas, também chamadas de “rápidas”, dão prioridade à fluidez do automóvel, com limites de 50 km/h e 60 km/h e semáforos sincronizados. Na via interna, é dada prioridade ao transporte coletivo e ao acesso a comércio e residências. Para os automóveis, o limite é de 30 km/h.

Desde a sua concepção, as vias centrais desses trinários (avenidas Sete de Setembro, Paraná e João Gualberto, por exemplo) foram desenhadas para um baixo fluxo de automóveis. Afinal, nelas passam os BRTs, modelo de transporte criado aqui e copiado por diversas cidades do mundo como uma alternativa eficiente de transporte coletivo.

Nessas vias centrais, a cidade vive. O pedestre não precisa se preocupar com as altas velocidades dos veículos. O ciclista pode pedalar com calma, conversando com amigos. Os moradores dos prédios ou os clientes do comércio têm tranquilidade para escolher e usar qualquer modal para se locomover. Há espaço para todos.

Podemos prosseguir pelo caminho da carrocracia ou começar a dar prioridade às pessoas

Porém, as Vias Calmas, que em sua origem já haviam sido pensadas para serem calmas, estão sob ameaça. De um espaço para convivência e para caminhar tranquilamente, podem ir para uma entrega derrotista ao carro. Justamente ao carro, a máquina que mais mata no Brasil.

Em 2015, o trânsito do Brasil matou cerca de 43 mil pessoas e invalidou outras 516 mil. Esses números apontam o Brasil como o quarto país em número total de mortes no trânsito. Com uma taxa de 22 mortes para cada 100 mil habitantes, isso se reflete em cerca de 3,5 mil mortes por mês, 116 mortes por dia e cinco mortes por hora. Uma morte a cada 12 minutos!

Em matéria publicada pela Gazeta do Povo , o prefeito Rafael Greca ignora recomendações internacionais, como a da Década de Ação pela Segurança no Trânsito da ONU, que sugere uma série de medidas para a redução no número de mortes em acidentes de trânsito em todo o mundo. Entre elas, a recomendação de 30 km/h como limite de velocidade em áreas com grande movimentação de pedestres e ciclistas.

Apesar de evidências da própria cidade, com dados locais do BPTran indicando uma queda de 28,8% nos acidentes da Área Calma nos primeiros seis meses de implantação, o prefeito de Curitiba segue afirmando que “rever a velocidade pode ser uma alternativa para garantir que haja circulação livre nas principais ruas e avenidas” e que “a prefeitura não pode ser uma máquina de multar”.

Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que nenhuma via urbana tenha limite superior a 50 km/h. Ou seja, além de não aumentar o limite de velocidade da via central, o prefeito deveria reduzir as velocidades das vias rápidas a 50 km/h.

Além da redução nominal dos limites de velocidade e também da garantia da aplicação do limite através de fiscalização, apontamos que a prefeitura é corresponsável pela generalizada alta velocidade no trânsito. Holandeses aplicam há 50 anos técnicas de engenharia que forçam o motorista a respeitar o limite da via. Como? Desenhando ruas autoexplicativas, com obstáculos como ziguezagues, travessias elevadas e pinturas estratégicas no chão.

Dessa forma, o engenheiro de trânsito, ao projetar e implantar novas vias ou reformas, pode ser o grande responsável por garantir a vida de eventuais vítimas de motoristas imprudentes ou pode ser o algoz.

Com a possível ordem do prefeito para aumentar os limites da velocidade, estamos falando da transformação da prefeitura de Curitiba, na verdade, em uma verdadeira “máquina de matar”!

Nós queremos dar uma sugestão ao prefeito. Em vez de alterar as velocidades das Vias e Área Calma, sugerimos que o prefeito demonstre enfaticamente que prioriza o pedestre em detrimento do automóvel. Que prioriza idosos, crianças, pessoas com mobilidade reduzida. Que se preocupa com o senhor ou a senhora idosa que, por desespero de o sinal estar abrindo, corre para dar conta da travessia e danifica as articulações do joelho.

Sugerimos ao prefeito que, em vez de aumentar os limites de velocidade, pinte na Via Calma faixas de pedestre, que ficaram de fora e são escassas tanto na Via Calma como na cidade toda. Que, em vez de atender à pressão carrocrata, fiscalize a aplicação dos artigos 70 e 38 do Código de Trânsito Brasileiro, que garantem ao pedestre a preferência nessas faixas e na travessia em esquinas, quando o motorista está convertendo.

Essas leis já são aplicadas e fiscalizadas mundialmente. Até São Paulo, cidade destruída pelo pensamento carrocrata há décadas, já fiscaliza e multa os motoristas que não param nas faixas de pedestres e em conversões.

Enfim, vê-se que podemos prosseguir pelo caminho da carrocracia ou começar a dar prioridade às pessoas. Convidamos o leitor e o prefeito a refletir: que Curitiba nós queremos?

Fernando Rosenbaum, Gheysa Prado e Felipe França Silva são integrantes da associação Cicloiguaçu.
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