"Para pensar igual não é preciso uma democracia." Quem o afirmou nesta quinta-feira não faz parte do governo nem da oposição. Não é jurista, nem sequer bacharel em Direito, não sabe exatamente em que consiste o crime de formação de quadrilha, não se encontrava em Brasília, nem em qualquer ponto do território nacional.

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José "Pepe" Mujica, quase 79 anos, presidente do Uruguai, uma das figuras mais queridas da América Latina, quando ouvido pela repórter de O Globo Helena Celestino, estava em Montevidéu e referia-se à grave situação em que se encontra a Venezuela. "A democracia necessita da convivência entre os que pensam de maneira diferente."

Óbvio, mas a essência da Premissa Mujica consiste justamente em levar a sério as obviedades. Joaquim Barbosa, presidente da nossa corte suprema, latino-americano como o líder uruguaio, teoricamente um passional como ele, deixou que as emoções falassem mais alto que o seu tirocínio. Além de constatar "uma tarde triste" para o STF ao ser vencido numa votação, ultrapassou os limites da decepção e do fair play ao alertar a nação "para essa maioria circunstancial que tem todo o tempo a seu favor para continuar a sua sanha reformadora".

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A advertência manifestada em plenário pelo chefe de um dos poderes da República, numa conjuntura excepcionalmente tensa, inflamável, adquire altíssimo teor incendiário. A contrariedade do presidente do tribunal e ministro relator da Ação Penal 470 é compreensível, considerando o esforço despendido ao longo de dois anos para reverter a crença de que as elites são impunes e os políticos podem tudo. Foi excessivo o calibre do petardo utilizado para expressar o seu desapontamento.

Situações-limite começam distendidas, terminam retesadas. A progressão torna-se perigosa quando se esquecem os fundamentos democráticos da Premissa Mujica. O paroxismo conduz inevitavelmente às rupturas. E isso fica nítido quando se examinam os antecedentes e desdobramentos do golpe de 1964 que em breve teremos a obrigação de relembrar.

A absolvição dos condenados do mensalão no item "formação de quadrilha" não os isentará dos demais ilícitos, nem a condição de coautores ou cúmplices diminui a gravidade dos atos praticados pelo "esquema" nas altas esferas da administração pública. As sucessivas revelações da polícia italiana sobre a privilegiada situação do foragido Henrique Pizzolato têm potencial para atingir todos os coautores e cúmplices do processo.

A violência que impregna o atual debate sobre a violência desvenda os riscos que corremos quando a radicalização substitui a racionalidade. A irresponsável exploração da insatisfação popular para abalar um compromisso internacional como a Copa do Mundo e assumido por um governo eleito democraticamente demonstra a atualidade e a relevância da Premissa Mujica. "Tio Pepe" pagou caro pelos arroubos daqueles que não levaram a sério a tolerância com as divergências e a substituíram pela impaciência.

Alberto Dines é jornalista.

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