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A primavera belga

Os atentados que dessangraram Bruxelas no início da Semana Santa, em simbologia que vai além da violência e da dor, golpearam a um só tempo a capital da Europa e o calendário cristão.

Atropelando a segurança máxima do Velho Continente, com seu emaranhado de siglas, de euroburocracias e de pequenos poderes que se digladiam, a jihad voltou a golpear furiosamente, em ação totalmente previsível, a desdenhar da inteligência e da capacidade defensiva tanto da Bélgica como da governança europeia. Afinal, dados os últimos acontecimentos, não seria nenhum prodígio de contraespionagem imaginar que Bruxelas, a outrora pacata cidade multicultural e ciosa de sua superioridade, seria óbvio alvo de ataques terroristas.

Com jovens revoltados, sem chances de progresso, tem-se o caldo de cultura ideal para clérigos fanáticos comprarem e recrutarem voluntários

A Bélgica, com múltiplas línguas, blend de povos e de culturas, a par de suas infinitas marcas de cerveja, tem se construído peculiar Estado de nacionalidades plurais, sempre cosmopolita e escancarado às imigrações. Só nos anos 2000 chegaram ao país mais de 500 mil estrangeiros, majoritariamente islâmicos e refratários à aculturação, desastradamente abandonados ao desemprego e à pobreza endêmica das periferias marginais das grandes cidades. Trata-se da recorrência da infeliz política imigratória da União Europeia, geradora do novo lumpen urbano, a admitir extracomunitários apenas para estigmatizá-los como os pobres necessários de sempre.

Clichê dessa mazela, de resto presente em todas as capitais da Europa, o subúrbio bruxelês de Molembeek conforma perfeito santuário de terrorismo jihadista, a atrair filhos de emigrantes atirados ao ócio e estimulados à revolta social. Dessa insidiosa forma, em plena capital da Europa, a pouca distância das sedes da Otan e das instituições comunitárias, curiosamente está o reduto europeu do Estado Islâmico, nas barbas da polícia belga. Contando com contingentes de jovens revoltados, sem chances de progresso e invisíveis pelo welfare state da Europa oficial, tem-se aí o caldo de cultura ideal para clérigos fanáticos da guerra santa comprarem e recrutarem voluntários para a causa da morte aos infiéis.

No caso belga, a ausência de políticas voltadas para a neutralização desses celeiros jihadistas reflete, em certa medida, o histórico descaso belga com a política em geral. Entre 2010 e 2011, como fruto de ancestrais rivalidades entre flamengos e valões, o país ficou 540 dias sem governo, caso inédito nas democracias modernas. Nada, porém, que afetasse a nonchalance típica dos belgas, a atribuir a despreocupação com governos à evolução da sociedade civil e ao individualismo assumido de sua população rica e feliz.

Agora, sob a pressão de uma primavera de novos e de velhos medos – por atentados que repercutem até nas eleições presidenciais dos Estados Unidos –, por certo haverá reações contundentes, a começar por restrições a refugiados sírios e demais imigrantes, todos vítimas colaterais do terror. O autodenominado Estado Islâmico, que não é nem Estado e nem islâmico, a representar ínfima parte do mundo muçulmano, com leitura deturpada da religião, ganha terreno na incapacidade ocidental e em suas dissidências insuperáveis. Pobre Europa.

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