"Pobre do país que necessita de heróis!" é a sempre repetida frase de Bertold Brecht, que imodestamente, decidi completar: "pobre do país que necessita de heróis, procura-os e não os encontra". Pois bem, se há um país que precisa de gente que é capaz de desprezar sua própria segurança, seu bem-estar, seus privilégios de sangue e fortuna para dedicar-se aos outros, este país é o Brasil. Mas por estas bandas, está difícil, até impossível, encontrar um herói.

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É claro que existem, só que estão cada vez mais longe dos palácios. Estão nas ruas, anonimamente, são populares que desafiam as águas enraivecidas da enchente para salvar uma pobre motorista presa dentro de um carro prestes a ser levado pela correnteza. Ou que enfrentam os deslizamentos de terra e as avalanches para ajudar os vizinhos, que já não tinham quase nada para que não percam a vida e o pouco que os desastres naturais lhes deixaram. No imaginário de minha cada vez mais distante infância, os heróis normalmente vestiam uniformes: eram médicos, soldados, bombeiros, marujos, espaçonautas inspirados em Flash Gordon, sempre prontos a um gesto galante, um ato de desprendimento, uma demonstração de desapreço pela vida e pelo conforto. Agora, ainda há heróis fardados: médicos que atendem populações desvalidas e doenças contagiosas, equipes de salvamento e resgate, os bombeiros, cuja motivação principal na vida não devem ser os salários por uma razão bastante simples: deve existe uma infinidade de empregos e ocupações com sa­­lá­­rios iguais ou maiores para fazer coisas infinitamente menos perigosas. Uma das fotografias mais tocantes da imprensa brasileira em todos os tempos foi a de um bombeiro radiante de felicidade carregando uma criança que havia salvo das chamas no incêndio do Edifício Andraus, em São Paulo. No fim do mês, deve ter recebido um magro holerite de pouco mais que um salário mínimo.

Mas os anti-heróis também podem usar fardas; como ver heroís­­mo nos policiais militares de Brasília, brandindo cassetetes que parecem espadas orientais e usando capacetes de samurais modernos, atropelando uma multidão de manifestantes desarmados com seus cavalos? E para quê? Na burocrática explicação do secretário de Segurança do governo Arruda, para desobstruir o trânsito... Também, com Shoguns como Arruda e o dito secretário, não se poderia esperar nada mais edificante desses guerreiros de araque.

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Certa vez, logo após o atentado do 11 de setembro, relatei aqui mesmo neste espaço, o que presenciei em Nova Iorque quando um caminhão dos bombeiros cruzou uma esquina em que eu estava: as pessoas que esperavam o sinal abrir, aplaudiam e gritavam palavras de carinho para aquele pequeno grupo de homens suarentos, que deveriam estar retornando de algum incêndio. Ninguém poderia afirmar que qualquer deles tivesse estado dias antes na cena do desabamento das torres gêmeas, mas 350 de seus colegas tinham, e haviam morrido nos escombros. O próprio comandante da corporação havia perecido junto com eles, logo ele, que poderia ter ficado à distância prudente, "coordenando" e "supervisionando" as operações. Os 350 bombeiros e seu comandante cruzaram, sem hesitar, o limite entre as pessoas comuns e os heróis.

Talvez, se observados bem de perto, os heróis não sejam aqueles paradigmas de altruísmo e de superioridade de espírito que seus admiradores pensam. Os meus preferidos, Winston Churchill e Napoleão Bonaparte, tinham grandes defeitos: Churchill bebia uma garrafa de gin ou de uísque por dia e Napoleão demonstrava uma frieza absoluta face às tragédias dos outros, enquanto zelava pelo bem-estar de sua família: não pestanejava em provocar a morte de 30 mil, 40 mil de seus soldados numa batalha, mas ao mesmo tempo se esmerava em cuidar da família, transformando irmãos e cunhados em reis e rainhas. E também não era totalmente avesso a uma pilhagem. Mas acredito que nunca tivesse comprado panetone nem enchido as cuecas e meias com dinheiro roubado.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.