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Os padrões ESG (environment, social, governance) estão se tornando uma referência incontornável para as empresas. E entre seus stakeholders, cujos interesses devem ser protegidos por políticas corporativas consistentes, estão os consumidores.
A publicidade, em seu sentido amplo, é a principal via de comunicação das empresas com esse público, e sua função não é apenas divulgar produtos e serviços, mas, principalmente, informar. Para isso, é necessário que a comunicação comercial seja feita de forma clara e verdadeira, com adequação de seu conteúdo e mensagem ao que o produto ou serviço realmente oferece ao consumidor – e em que condições.
No entanto, em sentido oposto àquilo que se espera, há a publicidade enganosa, que é aquela que pode induzir o consumidor em erro e que está definida no parágrafo primeiro do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC): “É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.
Caso ocorra a publicidade enganosa, os fornecedores podem ser responsabilizados administrativa e criminalmente (de acordo com os artigos 66 a 68 do CDC), caso se comprove que praticaram essa conduta com dolo ou culpa. Mesmo porque os fornecedores devem manter organizados os dados que embasam a sua publicidade (artigo 36, parágrafo único, e 69 do CDC).
Desde 2011, o Superior Tribunal de Justiça, no Agravo de Instrumento 1.372.840, tinha o entendimento de que bastava um disclaimer (aviso legal, ressalva) em certo material veiculado para que não fosse configurada a publicidade enganosa, não necessariamente importando o tamanho das letras utilizadas nesse disclaimer. Entretanto, esse entendimento a respeito da forma como a informação é veiculada, para que seja considerada suficientemente clara e ostensiva, mudou em 2017, no julgamento do Recurso Especial 1.602.678/RJ, e o entendimento jurisprudencial passou a ser o de que é preciso avaliar caso a caso para se saber se o tamanho de letra utilizada nos disclaimers é suficiente para evitar que o consumidor seja induzido em erro, não bastando mais apenas conter a ressalva e o aviso para que uma publicidade não seja considerada enganosa.
Diante disso, a questão que se apresenta é: estaria cometendo uma infração administrativa ou um crime o fornecedor que veiculasse, entre fevereiro de 2011 e maio de 2017, um disclaimer com letras de tamanho pequeno, mas legível? Haveria discricionariedade aos órgãos de fiscalização para dizer qual o tamanho de letra legível a olho nu que é ou deixa de ser adequado para que não se caracterize uma publicidade enganosa?
Do ponto de vista estritamente jurídico, parece não existir uma conduta dolosa ou culposa do fornecedor que veiculou, entre fevereiro de 2011 e maio de 2017, um material publicitário contendo um disclaimer que estivesse em sintonia com o precedente do Superior Tribunal de Justiça então existente, independentemente do tamanho das letras adotadas, desde que fossem legíveis. Ademais, não parece que esse entendimento do STJ, que permaneceu de fevereiro de 2011 a maio de 2017, permitisse aos órgãos de fiscalização a discricionariedade de fazer uma imputação grave de publicidade enganosa apenas porque, no seu sentir, as letras fossem pequenas demais, sem uma motivação expressa clara e congruente que evidenciasse por que essas letras não seriam legíveis.
De todo modo, o fato é que, após a mudança de entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em maio de 2017, é possível argumentar que os órgãos de fiscalização passaram a ter a discricionariedade para avaliar, caso a caso, o que seria adequado em termos de tamanho de letra legível. No entanto, isso não desincumbiu esses órgãos do dever de motivar as suas conclusões, de modo que o fornecedor possa avaliar se os motivos determinantes invocados na imputação são congruentes ou não. Nem tampouco desincumbiu a fiscalização de identificar de forma clara e transparente qual teria sido a culpabilidade do fornecedor no episódio.
Apesar do entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o tamanho da letra não deva ser definido a priori, o fato é que a definição de proporções mínimas entre o tamanho das letras dos anúncios e o das letras dos disclaimers poderia evitar esse tipo de situação e definiria uma baliza objetiva para a fiscalização, evitando-se assim o abuso no uso da discricionariedade, ao mesmo tempo em que garantiria maior segurança jurídica para os fornecedores e os consumidores. Assim, haveria mais clareza e transparência na comunicação e, por sua vez, a sociedade, os investidores, os profissionais e as autoridades teriam mais e melhores condições de verificar se os fornecedores estão realmente cumprindo padrões ESG no trato dos interesses dos seus consumidores.
Isabela da Rocha Leal é advogada pós-graduada em Direito Civil e Empresarial. Rafael Ferreira Filippin é advogado, especialista em Direito Empresarial e em Gestão de Recursos Hídricos pela UFPR, mestre em Direito e doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento.