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A pulsão de morte e a queda do céu
| Foto: Felipe Lima

Uma pulsão de morte parece ter tomado conta do espírito do povo brasileiro. Abandonamos qualquer perspectiva de futuro e abraçamos firmemente o desejo de extermínio de um inimigo que, apesar de não nos darmos conta, está nos olhando no reflexo espelhado da água, como uma espécie de Narciso às avessas. Tudo se passa como se qualquer sinal de pulsão de vida devesse ser destruído. A educação, seus estudantes, professores e cientistas; o meio ambiente e os povos da floresta; todos são alçados a inimigos da sociedade. Apenas um caminho nesta necropolítica se impõe: o capitalismo predatório.

Muitos atos e discursos confirmam o que aqui se aponta, mas poucos tão evidentes quanto a PEC 187/2016, que teve sua admissibilidade aprovada na terça-feira, 27 de agosto, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, e que, em síntese, propõe liberar a atividade agropecuária em terras indígenas. Tal proposta é juridicamente indevida, pois é absolutamente inconstitucional.

A justificativa da proposta tem fundamento equivocado sobre os modos de existência dos povos indígenas

Primeiro, como bem argumenta o MPF em nota técnica emitida em julho deste ano, a PEC dilui os direitos dos povos indígenas atacando seus modos de vida e subsistência, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Segundo, atenta contra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

A PEC também é economicamente desnecessária: o Brasil não é um país pobre, nem faltam terras para agricultura, muito menos a razão da miserabilidade de alguns indígenas está na limitação da exploração agropecuária. Nosso problema é a desigualdade socioeconômica. O recente relatório da Escola de Economia de Paris mostra que, no país, 1% dos super-ricos (1,4 milhão de adultos) detém 28,3% dos rendimentos brutos totais, enquanto os 50% mais pobres (71,2 milhões) ficam apenas com 13,9%.

É ambientalmente desastrosa, uma vez que a maior parte das terras indígenas concentra-se na Amazônia Legal, representando 23% do território amazônico e 98,25% de todas as terras indígenas do país. (Des)necessário lembrar que essa PEC se soma às recentes ofensivas de madeireiros e garimpeiros ilegais e às queimadas na floresta que escureceram os céus do país recentemente.

Antropologicamente absurda, pois a justificativa da proposta tem fundamento equivocado sobre os modos de existência dos povos indígenas. Equívoco decorrente do etnocentrismo, das concepções evolucionistas das sociedades, da incompreensão (e rejeição) pela sociedade ocidental, das outras formas de viver e imaginar o mundo.

Em um momento em que a sociedade moderna e capitalista está prestes a ultrapassar o limite de renovação dos recursos naturais, deveríamos fazer exatamente o contrário da PEC 187 e aprendermos, com os devidos pedidos de desculpas, a ver o mundo como e com os indígenas. É preciso levar a sério, antes que seja tarde, as palavras do líder ianomâmi Davi Kopenawa, quando nos fala da queda do céu: “O que os brancos chamam de futuro, para nós, é um céu protegido das fumaças de epidemia xawara [“epidemia-fumaça”, libertada do fundo da terra pelos homens brancos que destroem a floresta para extrair minérios] e amarrado com firmeza acima de nós! Mais tarde, na floresta, talvez morramos todos. Mas não pensem os brancos que vamos morrer sozinhos. Se nós nos formos, eles não vão viver muito tempo depois de nós”.

Anderson Marcos dos Santos, doutor em Sociologia, é professor de Antropologia Jurídica da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.

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