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sínteses – lei rouanet e incentivo à cultura

A quem interessa a cultura?

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

Desde Kant, a cultura é considerada a mais eficiente medida de civilização, parte indissociável do aperfeiçoamento, racional e moral, da história e da sociedade humana; é, em si, transcendente e imaterial. As realizações culturais materializadas, que a significam e conservam, são, no entanto, produtos do trabalho físico e intelectual.

O Estado é o mais importante financiador de atividades culturais em nosso país, seja por mecanismos de renúncia fiscal ou por aporte direto de recursos, e nisso está em consonância com o que ocorre na maior parte do mundo. Mesmo os norte-americanos, que têm tradição de fazer generosas doações privadas a museus e universidades, o fazem em parte porque dessa forma obtêm vantagens tributárias e de sucessão patrimonial, além de prestígio social.

Apenas o Estado pode custear o raro, o original, o salto de qualidade e o bem comum

O trabalho na cultura tem características diversas daquelas associadas normalmente ao labor; artes plásticas, música, literatura, cinema, artesanato, teatro, poesia, filosofia, estilismo, gastronomia demandam tanto esforço quanto as mais exigentes profissões, mas, como usualmente apenas a obra acabada é vista, parece sempre que “nasceu pronta”.

Apresentações de orquestra, dança, música popular, peças teatrais exigem meses extenuantes de ensaios, projetos cênicos, de iluminação, de figurinos e muitos outros. É necessário pagar aluguel de espaço, salários, taxas, direitos autorais, divulgação, e só então estrear o espetáculo, na expectativa de casa cheia e algum retorno ao custo humano e financeiro.

Mesmo um grande poeta não rabisca versos imortais apenas ao contemplar um pôr do sol; à inspiração segue-se a transpiração, a dura lida de dar forma verbal ao sentimento, em coerência com sua obra anterior e com o que pretende fazer em seguida. Um único bom quadro não define um pintor, é necessário que apresente muitos, tenha consistência em sua proposta.

A Lei Rouanet tem inegáveis méritos, e é fundamental para muitos realizadores culturais do país, embora enfrente problemas graves. O Programa Nacional de Apoio à Cultura, que instrumentaliza a lei, estimula o apoio da iniciativa privada ao setor. O interessado apresenta sua proposta ao MinC para análise e, se for aprovada, recebe autorização para captar recursos entre pessoas físicas e empresas. Tais recursos serão objeto de renúncia fiscal, com empresas patrocinadoras tendo o incentivo da valorização de sua imagem pública, além do fomento à cultura.

Uma crítica constante é de que o Estado estaria “privatizando” o apoio à cultura, reduzindo drasticamente seus investimentos diretos na área e deixando às empresas a decisão de qual segmento cultural deve ser apoiado. Mas empresas tomam suas decisões com base também em avaliações de custo-benefício, tendendo a optar por projetos de maior visibilidade, artistas consagrados em vez de iniciantes ou “alternativos”, uma possível explicação para o motivo pelo qual apenas cerca de 20% dos projetos aprovados pelo MinC obtêm alguma forma de patrocínio.

Embora tais decisões sejam compreensíveis do ponto de vista empresarial, projetos inovadores deixam, assim, de ser financiados se deles não se encarregar o Estado. Em outros tempos, foi por meio do financiamento da Igreja e outros mecenas que arte e ciência floresceram; apenas o Estado pode custear o raro, o original, o salto de qualidade e o bem comum. A conservação de espaços arquitetônicos ou naturais de interesse histórico, social ou de bem-estar das comunidades também é prerrogativa e dever dos diversos níveis de Estado.

Em nosso país, segundo o IBGE, só 14% das pessoas vão ao cinema uma vez por mês, 92% nunca frequentaram museus, 93% nunca foram a exposições de arte, 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança, 92% dos municípios não têm cinema, teatro ou museu. Pelo nosso futuro, pela nossa esperança, é imperativo melhorar essa realidade, e a participação ativa do Estado é crucial para isso.

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